OS SENHORES DO LÍTIO

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Um pouco por todo o mundo há manifestações das populações contra a exploração do lítio. Enquanto, por outro lado, os motores de veículos elétricos, que pretendem substituir os motores de combustão, está a usar cada vez mais lítio para as baterias. Portugal é o sétimo maior produtor de lítio a nível mundial e está na mira de grandes empresas internacionais. Conhecer mais sobre este assunto é fundamental para a formação de uma opinião.

O lítio é o metal mais leve e menos denso entre os elementos sólidos. Como todos os elementos alcalinos, o lítio tem reatividade e inflamabilidade elevada. Não é abundante devido à sua relativa instabilidade nuclear e como os outros metais alcalinos, o lítio puro é altamente inflamável e ligeiramente explosivo quando exposto ao ar e, especialmente, à água.

Além disso é corrosivo, requerendo o emprego de meios adequados de manipulação para evitar o contacto com a pele. Os especialistas aconselham a armazenar o lítio num hidrocarboneto líquido inflamável como, por exemplo, a gasolina. É, também, considerado ligeiramente tóxico à vida.

Os protestos contra a exploração do lítio estão um pouco em toda a parte do mundo. O de Portugal é, sobretudo conhecido pela “mina do Romano”, em Montalegre, um dos projetos que originaram a investigação sobre um alegado favorecimento no negócio do lítio e que levaram à demissão do primeiro-ministro no início de Novembro de 2023. Mas em setembro de 2023, obteve um parecer favorável condicionada por parte da APA, que impôs a alocação de royalties, medidas compensatórias para as populações locais e de minimização para o lobo-ibérico.

A concessão mineira do Romano foi assinada em 28 de Março de 2019 entre a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) e a Lusorecursos Portugal Lithium, uma empresa constituída três dias antes da assinatura do contrato. A Lusorecursos já disse que tenciona iniciar a exploração mineira em 2027.

Outro protesto em Jujuy, que está localizada no que ficou conhecido como o "triângulo do lítio", um trecho dos Andes que abrange a área da tríplice fronteira entre Argentina, Bolívia e Chile, e que detém as maiores reservas de lítio do mundo. Este protesto teve como mote a denúncia: "Nossas terras estão secando e nossa água está poluída", afirmou Nati Machaca, porta-voz dos grupos indígenas e uma das manifestantes que bloqueou uma estrada na vila de Purmamarca, no alto da Cordilheira dos Andes.

Mas também protestos de ecologistas sérvios em Belgrado e um pouco por todo o lado do mundo. Todos estes protestos demonstram enormes receios do drástico impacto ambiental que provoca, ou pode provocar a exploração de lítio.

Afinal o que é que este mineral controverso tem, que faz com que o primeiro mundo esteja tão ansioso por se abastecerem de lítio?

A verdade é que com os veículos elétricos a ocuparem uma parte cada vez maior das vendas anuais de automóveis (14,6% das 10,5 milhões de unidades vendidas no ano passado na Europa, de acordo com a associação comercial ACEA), o valor de mercado do carbonato de lítio deverá aumentar muito mais, embora os preços pareçam ter estabilizado, por agora, em cerca de 13 dólares por quilo, depois de terem atingido um valor cinco vezes superior em 2022.

Os analistas do BMI - parte do Fitch Group, mais conhecido pelas notações de crédito - previram no final de Junho um aumento mais modesto, mas ainda assim significativo, para algo acima dos 15 dólares este ano e depois 20 dólares em 2025, com o aumento da produção a satisfazer largamente a procura.

De considerar que a Tianqi, é uma empresa chinesa que é um dos quatro maiores produtores mundiais de lítio, está a investir fortemente na produção na Austrália (que é o maior produtor de Lítio do mundo). Numa entrevista ao South China Morning Post em Julho deste ano, o diretor executivo Frank Ha Chun Shing disse que a empresa estava em conversações com potenciais parceiros europeus - incluindo um país da UE não identificado - para se expandir para a produção de baterias.

A Eve Power da China começou a recrutar em Março para a sua nova fábrica de baterias de mil milhões de euros no leste da Hungria, enquanto o fabricante de automóveis chinês BYD anunciou a sua primeira fábrica europeia de produção de automóveis elétricos no mesmo país no final do ano passado (mais recentemente, anunciou que iria abrir uma instalação semelhante na Turquia).

Atualmente, os planos para a produção de lítio na UE estão suspensos, com as ambições do seu único produtor significativo, Portugal (380 toneladas no ano passado - que torna Portugal o sétimo maior produtor mundial de lítio), de aumentar enormemente a produção.

Segundo especialistas americanos, Portugal possui a maior reserva de lítio de toda a Europa e a nona a nível mundial, numa tabela liderada pelo Chile e pela Austrália. Mas a mineração deste tão desejado elemento, essencial para a produção de baterias, traz muitas dúvidas em termos ambientais e de segurança para as populações.

"Temos ouvido falar dos perigos e dos problemas que pode criar ao ambiente, e também às pessoas. De maneira que é preocupante saber que podem vir a explorar aqui no nosso território", apontava um habitante de Mondim de Basto.

No entanto, é uma ambição política declarada, a de colocar “Portugal na linha da frente da produção de lítio na Europa. “

O lítio, em Portugal, encontra-se em sete zonas identificadas, sendo que se estima que a zona Norte é a mais promissora para exploração dessa matéria, diz a presidente do laboratório, em Lisboa, numa conferência organizada pela Ordem dos Engenheiros. Romeu Vieira da Fortescue, empresa australiana que opera no setor do metal, lembrou que Portugal tem “recursos minérios de lítio e não reservas”, o que disse estar ainda dependente de muitas licenças. “O recurso é o que temos no supermercado, a reserva é o que temos na nossa casa”, exemplificou.

Se não houver uma alternativa aos motores elétricos a realidade é que está demonstrado que «em 2050, as necessidades de lítio serão 90 vezes superiores às registadas em 2020».

O que, para já, se identifica é um paradoxo da transição energética com a substituição do uso de combustíveis fósseis por recursos minerais cuja extração e refinação podem impactar negativamente os ecossistemas, as espécies e as comunidades.

Valerá o risco optar-se pelo risco ambiental para combater um problema atual da carbonização?

O problema ocorre na forma de produção do lítio, que é um mineral tradicionalmente utilizado em vidro e cerâmica para proporcionar maior aderência e dureza. Atualmente, é utilizado principalmente na fabricação de baterias para o uso de tecnologias que evitam ou reduzem o uso de combustíveis fósseis. E isso tem aumentado na sua tentativa de mascarar ou minimizar os graves impactos sociais e ambientais que sua extração implica.

A realidade é que a extração de lítio envolve enorme consumo e perda de água porque: a água é perdida durante o bombeamento da salmoura; a evaporação em tanques requer dois mil litros de água para cada tonelada de lítio produzida; os processos finais para obtenção do carbonato de lítio e separação do composto restante também requerem água.

Um relatório feito pela organização ambiental Friends of the Earth (FoE), mostrou que a extração do minério prejudica o solo e causa contaminação do ar. De acordo com o estudo, à medida que a procura aumenta, os impactos da mineração afetam cada vez mais as comunidades onde ocorre a extração de lítio, comprometendo, principalmente o acesso à água. Para produzir uma tonelada de lítio são necessários aproximadamente 2,2 milhões de litros de água.

O facto é que as reservas de lítio e cobalto disponíveis no planeta não serão suficientes para atender às necessidades futuras do crescente mercado de energia renovável. Por isso, Gleb Yushin, professor da Escola de Materiais e Engenharia do Instituto de Tecnologia da Georgia, nos Estados Unidos, afirma que o mercado precisa de desenvolver uma nova tecnologia de bateria, usando materiais mais comuns e ecológicos. Até o momento, a opção mais viável para essa substituição é o silício.

No caso do Brasil, desde 2020, pelo menos, moradores do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, estão a ser forçados a conviver com graves alterações socioambientais provocadas pela extração de lítio na região, liderada pela Sygma Lithium e pela Companhia Brasileira de Lítio. A mina Grota do Cirilo, aberta pela Sygma, está entre os municípios de Araçuaí e Itinga e as suas atividades já alteraram profundamente o meio ambiente local.

Mesmo que as empresas de mineração adotem os melhores métodos de gestão ambiental, seja com re-circulação de água, máquinas e equipamentos modernos, as tentativas são em vão: quando se fecha uma mina, a montanha deixa de estar lá. Onde existia montanha, agora, há uma cicatriz descomunal. O impacto no meio ambiente é imediato: com alteração da paisagem, há mudanças no microclima, na fauna, flora e em toda a dinâmica hidrológica.

A transição energética é urgente, mas deve ser justa e não apenas pela extração de outros recursos naturais, que além de finitos, colocam em risco a saúde de pessoas e do meio ambiente.

JG