PETULÂNCIA

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São médicos alguns dos meus melhores amigos. A alguns deles já tenho confessado que prezo muito a sua amizade, mas tolhem-se-me os passos quando preciso de recorrer aos seus serviços.

Há dias quase me obrigaram a ir a uma consulta. Desde então, a conselho do médico, engulo uns comprimidos calmantes que me receitou, já reli o Adeus às Armas, Orgulho e Preconceito, Fábrica de Oficiais, Manon Lescaut, A Viagem do Elefante, Fogo na Noite Escura e Rosa Brava. Propositadamente não encetei a leitura de nenhum romance novo.

 

Escolhi reler algo que já tinha lido antes, porque o médico me disse que é preferível não absorver demasiadamente o pensamento com novas incógnitas, com nebulosos enigmas.

 

Leia por mera distracção, disse-me ele. Porque reler não é mais do que trazer à superfície alguma coisa que a memória já antes registara, diminuindo o esforço mental, acrescentou!

 

Não sinto dor física, mas um constrangimento incomodativo, uma irritabilidade incompreensível, uma impaciência estranha com as mais pequenas coisas. Os opostos da minha habitual maneira de ser…

Espraio o olhar pela imensidão do mar, aspiro o cheiro a maresia, a custo afasto o pensamento dos afazeres comuns, como me recomendou o médico, tento refletir, quase sempre sem êxito, sobre o último parágrafo acabado de ler.

 

Queixo-me egoisticamente das minhas fragilidades, incomparavelmente desprezíveis em face daquelas que envolveram as vidas de alguns dos escritores que leio.

 

Dou por mim a engendrar uma sequência diferente para o romance que estou a reler e concluo pela pequenez da minha imaginação, da minha falta de talento, quando comparadas com a dos célebres autores daqueles livros.

 

Que petulância a minha

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Rui Felício