A mística donzela

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Prostrada, a soluçar, não vejo quem desejo,

e abraço tristemente as pedras contra o peito.

Do esposo privada, aqui, no duro leito,

não o posso abraçar, como era meu desejo.

 

Oh! Dize-me onde estás! Onde te encontrarei?

Em que terra seguir-te, aí de mim, sempre ignota?

Ou terei de buscar nos astros minha rota

a fim de te alcançar, meu senhor e meu rei?

 

Sem ti, a noite vem com as asas pesadas;

sem ti, mesmo com sol, o dia é escuridão.

O lírio, a rosa, o nardo, o narciso não são

capazes de florir minh’alma abandonada.

 

Na esp’rança de te ver, observo cada imagem,

mas amor faz-me errar no alto os olhos vagos.

Chego assim a supor que só ventos pressagos

dirão de meu senhor a exacta paragem…

 

Quero lavar a lage onde puseres os pés,

co’o cabelo enxugar o solo de teus templos.

Só doçura acharei nos mais duros exemplos

se por fim puder ver, meu senhor, quem tu és…

 

Carmina, Livro VIII, 3, vv. 227-46

in Vozes da Poesia Europeia I, Colóquio Letras nº163, Lisboa, Jan-Abr 2003.

Vício da Poesia