A pressão dos mercados

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Emprestem-me palavras para o poema; ou dêem-me

sílabas a crédito, para que as ponha a render

no mercado. Mas sobem-me a cotação da metáfora,

para que me limite a imagens simples, as mais

baratas, as que ninguém quer: uma flor? Um perfume

do campo? Aquelas ondas que rebentam, umas

atrás das outras, sem pedir juros a quem as vê?

 

É que as palavras estão caras. Folheio dicionários

em busca de palavras pequenas, as que custem

menos a pagar, para que não exijam reembolsos

se as meter, ao desbarato, no fim do verso. O

problema é que as rimas me irão custar o dobro,

e por muito que corra os mercados o que me

propõem está acima das minhas posses, sem recobro.

 

E quando me vierem pedir o que tenho de pagar,

a quantos por cento o terei de dar? Abro a carteira,

esvazio os bolsos, vou às contas, e tudo vazio: símbolos,

a zero; alegorias, esgotadas; metáforas, nem uma.

A quem recorrer? que fundo de emergência poética

me irá salvar? Então, no fim, resta-me uma sílaba – o ar –

ao menos com ela ninguém me impedirá de respirar.

 

Nuno Júdice

 

(Imagem retirada da net)