Ao meu Povo
Ó nobre povo meu, que jamais viste
Teu pendão macular vil sentimento,
Teu Anjo Guardião do Céu te assiste
No teu carril de luta e sofrimento,
A ti, que do dever jamais fugiste,
Nem de Deus desertaste um só momento,
Até que ante o destino hajas quitado
Os erros e os desvios do passado.
Guarda, pois, na viril e heroica fronte
A altivez sempre nobre e sempre tua.
Podem nuvens toldar teu horizonte,
Mas não podem calar a fé que estua,
Como sempre estuou, no vale, no monte,
Na sorte mais feliz ou na mais crua,
Em teu seio fecundo e generoso,
Ó povo meu, valente e dadivoso!
Importa que resista sobranceiro
Aos apelos dos génios fratricidas
E tenhas de pé, forte, altaneiro,
Como nas eras idas e vividas,
No mais nobre ideal pulsando inteiro,
Titão heróico de formosas lidas,
Honrando as tradições de amor fecundo
Com que sempre lições tu deste ao mundo!
Se tenebrosas forças querem ver-te
Vergado ao guante do ateísmo cego,
Dize-lhes claro que não hão-de ter-te
Rolando da descrença ao fundo pego,
Nem poderão em tempo algum perder-te,
Nem vermelhar-te o Tejo ou o Mondego
Nem jamais hão-de haver-te corrompida,
Nem te irão conspurcar, pátria querida!
Se negra mancha te maculou a veste,
E nas sombras do orgulho te envolveste,
Tanto nas longes regiões do Leste,
Quão brasílias terras que elegeste,
Sempre desde de ti, sempre soubeste
Juntar teu sangue aos dos que tu venceste,
Na doce paz do ânimo mais brando
Dissolver todo o ódio procurando.
Não tens, por isso, neste mundo vasto,
Inimigo nenhum, nem desafecto.
Se a Justiça de Deus te segue o rasto,
Por desvios fatais do trilho recto,
Desça-te um pranto cristalino e casto,
Por mais pungido seja e mais secreto;
Mas que sofras de tez alevantada,
Nobre Pátria de glórias coroada!
Não te entregues, porém, ao desvario,
Nem macules teu ímpio pendão.
Recorda que jamais arbusto ímpio
Vicejou nos teus campos de eleição.
Tão logo o inverno passe, um novo estilo
Rebentará de flores o teu chão!
Não se derrame embalde em campo humano
Gota sequer de sangue lusitano…!
Ó grande Portugal, gleba bendita
Entre todas que Deus forjou na Terra!
Deixa ao longe grasnar, louca e maldita,
A voz inimiga do que incita à guerra!
Se grande é teu penar, maior a dita
Que em teu porvir no bojo já se encerra!
Segue, pois teu fadário belo e puro
De Berçário do Mundo do Futuro…!
Luís de Camões – Psicografia de Hernâni T. Santana