BALADA DE COIMBRA

Balada-de-Coimbra.png

- Do Penedo da Saudade

Lancei os olhos além.

Meu sonho de eternidade

Com saudades rima bem...

 

Ai sombras da Torre de Anto,

Do Convento de além rio,

Dos muros brancos do Pio,

De Santo António a cismar,

Que é de outras sombras que à tarde

Convosco se confundiam,

E ao ar os braços erguiam,

E as mãos abriam no ar...?

 

(Sem saber para onde iam,

Aonde iriam parar?)

 

- Penha da Meditação...

Silêncio que paira em tudo!

A terra e o céu dão a mão

Num longo colóquio mudo...

 

Ai céus de Setembro-Outubro,

Painéis de sonho e loucura,

Rasgando a toda a lonjura

Cenários de arrepiar,

Que é de esses olhos de abismo

Que à tarde a vós se elevam,

Por longe andavam, voltavam,

Vos devolviam no olhar...?

 

(Sem saber o que buscavam,

Que haviam de ir encontrar?)

 

- Chegam da Baixa até Celas

Os ais dos sinos na bruma.

Se o céu tem tantas estrelas,

Importa lá cair uma!

 

Ai linda triste janela,

Toda voltada ao poente,

De onde a menina doente

Sorria a um Anjo seu par,

Rainha Santa do bairro,

Que é de essa cuja mão fria

Do teu caixilho pendia

Como um lírio a desfolhar...?

 

(Sem saber para onde ia,

Aonde iria parar?)

 

- Quinta das lágrimas, onde

Chora a fonte doce e langue!

Corre a água, e não esconde

Aquelas manchas de sangue...

 

Ai olivais silva e prata,

Choupos transidos de mágoa,

Ai laranjais de ao pé de água

Com frutos de oiro a brilhar,

Que é do bando vagabundo

Cujo rir vos acordava,

Cuja tristeza só dava

Mais vontade de cantar...?

 

(Sem saber o que buscava,

Que havia de ir encontrar?)

 

- Fui à Lapa dos Esteios,

Grandes coisas fui saber:

Que há pedras que têm seios,

que eu bem n-as ouvi gemer...

 

Ai pedras nuas dos becos

Despenhando-se, angustiados

Entre esses velhos telhados

E muros de ar singular,

Que é de esses passos que a medo

Vos pisavam, e tremiam,

Passos de irmão, que sofriam

Da mágoa de vos pisar...?

 

(Sem saber para onde iam,

Aonde iriam parar?)

 

- No Choupal quis fazer versos,

Olhei as folhas do chão.

Deus sabe os sonhos dispersos

Que o vento leva na mão!

 

Ai águas do meu Mondego

Que entre choupais murmurando

Se me esquivais, nesse brando

Sempre ir andando até mar,

Que é das mãos roxas de febre

Que em vós se desalteravam,

E entre as folhas que boiavam

Se deixavam arrastar...?

 

(Sem saber o que buscavam,

Que haviam de ir encontrar?)

 

- A Santa Cruz, um por um,

Dos troncos fui despedir-me.

Não tenho amigo nenhum

Que me haja sido tão firme...

 

Ai choro com que o Paredes,

Vibrando os dedos em garra,

Despedaçava a guitarra,

Punha os bordões a estalar,

Gritos de cristal e de oiro

Que o Bettencourt alto erguia,

Que é da roda que algum dia

Vos sabia acompanhar...?

 

(Sem saber para onde ia,

Aonde iria parar?)

 

- Fonte do Largo da Sé,

Que dizes tu ao cair?

- Mortos do adro, de pé!,

Que os vivos é só dormir...

 

Ai crepúsculos de antanho,

Limalha do sol, que morre

Lá desde o cimo da Torre

Té Santa Clara, além-mar,

Que é de essa plêiade antiga

Cuja alma em vós se encantava,

Feita de cinza e de lava,

Desfeita em sombra e luar...?

 

(Sem saber o que buscava,

Deus sabe o que iria achar!)

 

- Do Penedo da Saudade

Lancei os olhos acima.

Sonho meu de eternidade

Com saudade é que bem rima...

 

José Régio (1901-1969

In “Fado”

Editora A Bela e o Monstro – 2015