CARAMELOS, QUE NÃO MALTESES

CARAMELOS E MALTESES1

 

O assunto de hoje vem a propósito de um trajo de trabalho, que mereceu a minha atenção aquando da realização do festival de folclore acontecido no verão passado nos Olhos de Fervença, por iniciativa do Grupo Típico de Cadima. Ao ouvir dizer que a reposição daquele trajo era de maltês veio-me à mente uma questão que tem a ver com a forma como, ainda agora aqui pela Gândara, se confunde a figura do maltês com a do caramelo e a do caramelo como se fosse maltês.

É sabido que nos primórdios da migração para as terras do Sado, igualmente se confundiu caramelos com malteses e vice-versa, o que não será de estranhar pois quem, nesses começos, sabia quem era quem?

A partir do relato que faço chega-se facilmente à conclusão de que o maltês não pode ser confundido com o caramelo, não só pela origem, mas fundamentalmente pelo seu comportamento e, portanto, não podia estar envolvido no movimento migratório a que me reporto.

Senão, atentemos às referências daqueles ranchos de gente provenientes da Beira Litoral e muito concretamente da Gândara, que iam laborar nas vinhas, nos arrozais, nas ceifas, na quintas, enfim, onde houvesse que fazer, lá pela Borda-d’água ou pelo Alentejo, cabendo aos contratadores e aos manajeiros arregimentar aqueles que lá eram chamados “caramelos de ir e voltar”. São muitos os registos elogiosos que referem que todos os patrões queriam estes trabalhadores, porque sabiam o que fazer, eram sérios, honrados e respeitadores!

Esta a radiografia da nossa gente, em nítido contraste com a dos malteses, referenciados como andantes e sem domicílio, insubmissos e de ruim relacionamento, tidos por desrespeitadores e de más contas, a quem chegaram a apelidar os “sem terra do Alentejo”. Eram do conhecimento geral as frequentes atitudes de confronto entre eles e os lavradores, traduzidas em roubos, extorsões e ameaças de atearem o fogo às searas, às medas, aos matos e mesmo às alfaias agrícolas, se não anuíssem às suas reivindicações.

Não obstante, perante comportamentos tão diferentes, logo as águas se separaram e a imagem dos caramelos impôs-se como pessoas de bem e trabalhadoras, como atesta a fixação de muitos deles por aquelas paragens. Ao fazer a inventariação dos nomes e proveniência dos contratadores, indaguei se havia memória de algum caramelo ter tido atitudes que o situassem no patamar dos malteses.

A resposta foi unânime que não, pois quem os contratava sabia bem quem eram, sendo semelhantes as referências a respeito de algum que fosse sozinho. Neste caso, era o próprio que comprava a sua viagem, seguia a sua vida e por lá se “amanhava”, sem que alguma vez cá chegassem notícias indesejáveis.

Já agora, a título de viagens isoladas e de bilhetes comprados, conta-se que, certo dia, um tal Felício, dos Morros, se dirigiu para a estação de comboio em Arazede com as ferramentas e demais haveres às costas, para adquirir um passagem que o levasse até Coina, para onde iria trabalhar.

Chegado à bilheteira, o nome da terra não lhe vinha, dizia ele, mas a verdadeira razão era ter vergonha de pronunciar o nome! Virou-se então para o funcionário e disse: - Olhe amigo, eu quero um bilhete para aquela terra, ali p’rós lados do Barreiro, que tem um nome “aparecido” com o da coisa das mulheres! E lá conseguiu chegar a Coina!

António Castelo Branco