Comer milho ao pé do espantalho

ESPANTALHO1

 

A nossa gente sempre evocou o aforismo de que está a tapar o sol com uma peneira, quem tenta ludibriar o outro, ao desprezar e desvirtuar aquilo que é óbvio e claro. Outro tanto acontece com a expressão tapar aos pardais com uma grade para evitar que eles comam os cereais e a fruta, um dizer que tem o seu quê de sarcasmo, perante o inevitável insucesso. Por via das dúvidas, olhemos para a dita alfaia agrícola, outrora puxado pelos bois na altura da lavoura, para desterroar as leivas e remover as ervas daninhas. Era o grèdar da terra aqui pela Gândara. Para isso, a dita grade devia ter uns dentes rijos de oliveira, mais tarde já em ferro, colocados à distância de vinte a vinte e cinco centímetros. É evidente que, por entre eles, qualquer ave passava, e daí a ironia! Aliás, eu penso que é impossível evitar que esses diabos, mais outros como os melros, os verdilhões, os gaios, as pegas, os corvos e muitos mais da mesma família, se abeirem das searas e das fruteiras para matar a fome. E no entanto, veja-se o que ao longo dos tempos se inventou para os afastar de tão lautas mesas. Olhemos para os telhados das nossas tradicionais casas de adobe, a maior parte deles arrematados nos cumes com gatos de barro, raposas e mesmo aves de rapina, que tinham por finalidade incutir medo à passarada e corrê-la das eiras e dos quintais. Mais recentemente, provindos dos campos do arroz e do milho, passaram a ouvir-se frequentes detonações, resultantes de dispositivos ligados a botijas de gás, mas também esses tiros lhes entram agora por um ouvido e saem pelo outro! Assíduos passaram a ser, nos aidos, uns tim-tim-tins a partir de uns chocalhos movidos por um tipo de cata-ventos, colocados geralmente nas figueiras, pois são elas que, ao longo do ano, têm fruto até mais tarde. A propósito, recordo uma nossa crença que refere ser por maldição que nunca nenhuma ave fez ou fará ninho nas figueiras, pois foi numa que Judas se enforcou, depois de trair Cristo. E falo agora de espantalhos, que sempre adquiriam mil e uma formas e feitios e que, outrora, povoaram as nossas terras para afugentar a dita passarada, mas sempre nelas deixaram contos, lendas e estórias saídas do imaginário popular. Entretanto, deparei-me recentemente com três figueiras, mesmo à entrada de uma casa, cobertas por rede de malha fina até ao chão, cuja finalidade era proteger os frutos daqueles comedores desenvergonhados, lastimava-se a tia Barreta, ao mesmo tempo que me apontava para um bando de estorninhos que já esvoaçavam no ar e que mesmo por cima da rede os iriam debicar. Almas d’um raio, vociferava a mulher despeitada, enquanto batia num lato! Com tudo isto, penso que entendi melhor o porquê de se dizer que os pardais comem o milho ao pé do espantalho.

António Castelo Branco