Janeiro, o baterista
António Janeiro é uma simpática figura de Coimbra, nascido nas imediações de Santa Clara, mais concretamente na Ribeira de Frades, cuja presença habitual por Santa Cruz há muito se tornou familiar. Foi por aqui que sempre trabalhou, primeiro no Terreiro da Erva, na Antiga Cerâmica de Coimbra, quando ainda se aqueciam os fornos com lenha, e depois como funcionário da Câmara, afecto aos Serviços Municipalizados. Desde cedo, o seu instinto puxava-o para a música. Porém, a música que o despertava não era a dos solfejos nem das partituras, pois ele não conhecia nem conhece, ainda hoje, como confessa, uma nota do tamanho de um combóio! Ele tinha era um ouvidinho privilegiado, e tudo quanto escutava lhe ficava na cabeça. Ainda adolescente, começou a cantar as modas que corriam, ao mesmo tempo que se agarrava às panelas e aos tachos que a mãe guardava na cozinha para fazer os acompanhamentos de percussão. Aos poucos, e ainda com umas baterias manhosas, começou a aparecer em público, ligado a um ou outro conjunto musical mais modesto, e por aí fora, até que, a certa altura, já com uma bateria bem equipada e uns acordes instrumentais de maior qualidade, a coisa passou ao profissionalismo, tal era o desempenho do Janeiro: bombo com pedal, caixa, tarola, chocalho, tímbalo e pratos, prato sock e pratos de ritmo, vassoura, pífaro, e às vezes até apito. A música passou então a ser outra, que não só permitia, como até exigia ao baterista aquilo que agora já podia fazer em termos de ritmos, de exuberâncias de performances e até de habilidades e vaidades, pois, à época, grande parte do espectáculo ao vivo de um conjunto musical, estava naqueles artísticos saltos e piruetas a solo que os jazebandistas faziam. Relata ele, com saudade, o que foram quarenta e cinco anos ligados a conjuntos musicais, que se encontravam equipados com acordeão e outros telados, viola- baixo, vocalista (s) e bateria, claro.
— Nos meses de verão todos os fins-de-semana a partir de sexta-feira tínhamos serviços, recorda ele. – Aqui, pela zona Centro, era na Figueira da Foz, em Pombal, Leiria, Viseu, Lousã, Miranda do Corvo, por todo o lado onde houvesse festas e romarias. Lá para o Norte era em Mortágua, Viseu, Poceirão…, e então em Trás-os-Montes nem se fala, pois até fazíamos festas religiosas. Depois eram os arraiais, com bailes à tarde e pela noite fora. Quantas vezes sem tempo para dormir, saltávamos para outras terras, sobretudo para acompanhar os mordomos, quase sempre emigrantes, que queriam mostrar o sem empenho. Nós tocávamos tudo adequado ao espaço onde nos encontrávamos: Eram tangos e valsas, merengues, salsa, rock, slow, blues, música pimba, rapsódias, diapasão, tudo! Até missas cantadas e marchas de procissão, às vezes, só com meia dúzia de músicos! António Janeiro, hoje com setenta e quatro anos é um homem feliz, se bem que muito saudoso, pois o tempo que passou agarrado à bateria, sentado num banco de molas, para uma execução mais artística, nunca esquece. Todo aquele seu material, para além do restante equipamento do conjunto Musical Casting, como era chamado, encontra-se arrecadado à espera de um ocasional ensaio que de tempos a tempos sempre acontece, mais para trazer recordações do que para tirar o verdete dos metais!
António Castelo Branco