NÃO MATEM OS OURIÇOS!

OURICOS1

 

Junto este meu apelo a tantos outros que se fazem ouvir, na esperança de conseguirmos salvar esta espécie que tende a desaparecer, e da qual sucumbe um número indescritível em cada noite.

E digo em cada noite porque, sendo o ouriço um animal nocturno, é nesse período que ele se movimenta e daí dizer-se, quando vimos algum mexer-se de dia, que algo não está bem com ele. E direcciono este alerta, de uma forma especial aqui para a Gândara, onde temos toda uma grande faixa florestal, com espaços húmidos e muitas zonas de cultivo, que são habitats ideais e preferidos para a fixação destes pequenos mamíferos.

Ora, são inúmeras as vias de acesso e vários os tipos de estradas que envolvem tais faixas e terrenos que eles, necessariamente, atravessam de noite, umas vezes em busca de alimentos, outras de parceiros. Efectivamente, isto não acontece nem no inverno nem no outono, porque nessa altura estão em hibernação, mas sim na Primavera e no Verão, quantas vezes com as ninhadas atrás da mãe. Lindo de ver!

Ora, é precisamente durante estas duas estações que, em grande número, aparecem mortos nestas nossas estradas, conforme nos é testemunhado pelas pessoas que, logo pela manhã, se movimentam nas suas viaturas. É evidente que não é fácil visualizar, à distância, obstáculos tão pequenos, de forma a evitar grande parte destes incidentes, especialmente pela noite fora. Nisso estou de acordo. Porém, tal não obsta a que se fale do assunto e se possibilite que ele corra de boca em boca, ainda que só se salve um, dois, três…! E, quem sabe, se com isto tudo não aparecerão por aí umas sinaléticas com uma mãe ouriça e os filhotes todos atrás?!

Para finalizar e deixar o testemunho da ligação destes pequenos mamíferos ao seu local de origem, veio-me à memória a estória do Tio Manuel Serôdio, um bom homem da minha terra, muito supersticioso que, um dia, encontrando um ouriço no quintal, não o quis matar pelo mau agoiro que isso lhe traria. Então foi deixá-lo num cruzamento à saída da aldeia.

Na noite seguinte apercebeu-se daquele ruído que é costume eles fazerem quando se movimentam, assoprando à moda das cobras, e admitiu que o bicho teria voltado. E vai de o agarrar e de o ir levar mais longe, às alminhas dos Moirões.

Dois dias depois, ou ele, ou o diabo por ele, lá estava outra vez, dizia. Com as suas desconfianças, não esteve com meias medidas. Apanhou-o de novo e, com um pincel e tinta vermelha, marcou-o bem, meteu-o em seguida dentro de um saco que colocou no suporte da bicicleta para, no dia seguinte, levar para a praça da Senhora das Febres. Uma vez ali, soltou-o junto de um alegrete onde havia um alecrinzeiro e um canteiro de arruda, que é a erva dos bruxedos. Mas qual não foi o seu espanto quando, dias depois, agora sem que pudesse duvidar, viu que o ouriço tinha regressado.

E o homem matuntou que ali havia uns enguiços! Então, por via deles, agarrou de novo no pincel e na tinta vermelha e fez um signo-saimão na porta da casa da eira!


António Castelo Branco