Como irá ser o Natal do Luís?
Toda a gente em Coimbra conhece o Luís, aqui nascido há 46 anos, e a cantar e tocar órgão frente à Igreja de Santa Cruz há uma década. Já uma vez aqui falei do seu atribulado percurso de vida e faço-o agora de novo, perante uma situação que carece de ajuda. Lembro o que foi a sua infância quando, aos cinco anos e porque invisual, recolheu ao Instituto de Cegos, onde teve formação adequada à deficiência e onde viria a aprender a tocar o dito instrumento. Uma vez cá fora, foi trabalhar como telefonista para a escola secundária D. Dinis, e à noite em bares, algumas vezes como músico. Passou então a viver na Baixa e, em certa altura, resultante de queda de um 3º andar perdeu o braço esquerdo, tendo-se adaptado a tocar apenas com a mão direita e, coisa inédita, usando em simultâneo a ponta do nariz por forma a chegar às teclas com que introduz os acordes. Tudo isto já eu contei dessa vez, tendo igualmente referido as saudades que, em cada instante manifestava pelo filho, de quem ainda hoje continua a não ter notícias. Não escondendo quanto isso lhe dói, este pai diz-se resignado já que o seu Rui terá razões para não o procurar, ao adivinhar a desgraça que iria encontrar! Na última manhã em que me abeirei dele, reparei que tinha um órgão novo, tendo-me dito que o havia adquirido há umas semanas com as moedas que foi amealhando e lhe foram caindo aos pés quando tocava. Procuro sempre que as nossas conversas sejam animadas mas, desta vez, o Luís estava tenso e acabrunhado. E foi quando me contou o que o preocupava, pois foram-lhe dados quarente e cinco dias para deixar a casa, lá na Zouparria do Monte, onde vive há nove anos, com uma renda de 150 euros por mês. Perguntei-lhe se já tinha feito alguma diligência ou procurado alguém que o ajudasse, mas ele abanou negativamente a cabeça, lembrando-me que não via, não conhecia ninguém e não sabia a que portas devia bater. Limitei-me a falar-lhe numa série de instituições que porventura pudessem intervir, mas foi de dó a resposta que lhe ouvi: — Para isso era preciso que eu visse e me soubesse mexer! E continuou:— Olhe que eu nem água tenho, vou buscá-la com um garrafão a casa de um vizinho. Também nunca tratei do passe do autocarro, pois não sei onde e com é que isso se faz e continuo a comprar as senhas mais caras. Questionei-o ainda sobre a companheira, que apresenta um aspecto extremamente débil e da maior precaridade – a sua pensão é de cento e poucos euros, — sendo ela quem o guia de regresso. Quanto a ele, recebe quatrocentos e poucos euros por deficiência, importância que, depois de tirar a renda da casa e as passagens, não chegaria para viverem se não fosse o órgão. O decurso da conversa leva-me a admitir que muitos saberão da sua situação e que, a muita gente ele terá contado a sua desventura, e o que em breve o espera. Mas até agora, nem um eco de esperança lhe chegou! Interrogo-me como irá ser o Natal do Luís e lanço o apelo a quem possa e deva intervir, mormente à Segurança Social.
António Castelo Branco