O FUTURO DA ARTE

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Se o futuro é incerto, as mudanças no mundo são muito claras quando nos lembramos das mudanças climáticas, das mudanças demográficas e das alterações na geopolítica provocadas pela mudança dos poderes das antigas potencias mundiais.

Vale a pena, então, considerar como os artistas responderão a essas mudanças, assim como pensar a que propósito servem as artes plásticas, agora e no futuro.

Um dos assuntos que começam a interessar os artistas, que apostam no futuro, é a proteção dos idiomas em perigo de extinção.
Para falar apenas de um dos países de expressão portuguesa, consideramos o Brasil que tem 190 línguas indígenas em perigo de extinção. Aqui os artistas, qualquer que seja a sua área, têm muito material para explorarem. Em Portugal, a língua mirandesa está numa situação "muito crítica" devido ao abandono do idioma por parte de entidades públicas e privadas, conclui um estudo elaborado pela Universidade de Vigo (UVigo), em Espanha.

Outro dos assuntos que começam a interessar os artistas é outro dos assuntos preocupantes considerando que no ano de 2040, será impossível escapar dos impactos das mudanças climáticas provocadas pelo ser humano, o que faz dessa a maior questão no centro da arte e da vida nos próximos 20 anos. Sensibilizar o maior número de pessoas para os crimes ecológicos vai ser um dos maiores motes dos futuros artistas.

No futuro, os artistas terão de lidar com as possibilidades do pós-humano e pós-antropoceno com a inteligência artificial, colónias humanas no espaço e com potenciais catástrofes como ainda continua o desencadear de uma guerra ou pandemias como foi o Covid-19.

As políticas de identidade vistas nas artes plásticas em torno dos movimentos #MeToo (mulheres) e Black Lives Matter (negros), também irão crescer, enquanto ambientalismo, políticas de fronteiras e migração estarão ainda mais em foco.

A arte está a tornar-se cada vez mais diversificada e pode até deixar de "parecer arte" da maneira como nós hoje, ainda, a imaginamos. No entanto há que distinguir a arte criada por artistas e a “pseudo-arte” onde qualquer objeto ou acaso passam por arte. A arte é orgânica e evolui, mas não deve perder a sua essência que é uma ligação entre humanos.

No futuro, quando estivermos atentos ao facto de que nossas vidas se terão tornado visíveis na internet para qualquer um e a nossa privacidade tiver sido praticamente perdida, o anonimato poderá ser mais desejável que a fama.
É bem possível que em vez de se desejar milhares, ou milhões, de likes e seguidores, nós estaremos sedentos pela autenticidade e conexão entre o artista e a comunidade. A arte poderá, então, tornar-se algo mais coletivo e experimental, em vez de restrita ao artista.

"Eu imagino que a arte daqui a 20 anos será muito mais fluida do que hoje", diz a curadora Jeffreen Hayes à BBC Culture, "no sentido de fronteiras entre canais de comunicação, entre os tipos de arte que são rotuladas como arte no sentido tradicional. Também vejo a arte sendo muito mais representativa da nossa demografia em crescimento e transição, com mais artistas de minorias étnicas, mais trabalhos identificados com mulheres e tudo que aparece no meio disso".

A exposição AfriCOBRA: Nation Time, de Hayes, foi recentemente selecionada como um evento paralelo oficial da Bienal de Veneza de 2019, realizada em Maio, levando a um público internacional o trabalho de um grupo de artistas negros que trabalhavam na região sul de Chicago, nos EUA, nos anos 1960.

"Tenho esperanças de que em 20 anos, com as mudanças na arte e os artistas ajudando a liderar esse processo, as instituições comecem a ser não apenas determinadas, mas também mais preocupadas com as diferentes formas em que a arte pode ser apresentada, o que vai exigir equipes mais inclusivas, não apenas curadores, mas também líderes", diz a especialista.

A mudança antecipada pelas artes abarcam cada vez mais micro cosmos culturais abraçadas ainda mais pelos mercados e instituições, que se tornarão eles mesmos mais diversos e informados por histórias de fora do cânone dominante. A revolução contra o academismo envolve agora mais envolvimento político nas artes. Por isso o aparecimento de campanhas de arte-ativismo são indicativas de tendências de mudança.

O grupo de artistas e ativistas Decolonize This Place (Descolonize Este Lugar, em tradução livre), que se descreve como um "movimento orientado na ação e centrado em torno da luta de povos indígenas, libertação negra, a libertação da Palestina, assalariados globais e deselitização", organizou protestos dentro do Museu de Arte Whitney, em Nova York, contra o vice-presidente Warren B. Kanders, dono de uma empresa que fabrica gás lacrimogéneo usado contra pessoas oprimidas em várias partes do mundo. Já durante a Primeira Guerra Mundial, um grupo de artistas que se chamavam de Dada começaram a encenar intervenções experimentais de rutura, como um protesto contra a violência sem sentido da guerra qualquer que seja. Seja os ataques terroristas sejam os ataques militares clássicos. A guerra não tem ética, nem moral.

O Dada foi considerado um movimento de vanguarda mais radical no início do século XX, seguido pelos artistas Fluxus nos anos 1960, que de forma parecida procuravam empregar o choque e, até, a falta de sentido para mudar perceções artísticas e sociais.

O legado desses movimentos performáticos continuou em trabalhos de artistas como Paul McCarthy e Robert Mapplethorpe. "O choque funciona como parte da tentativa dos movimentos de mudar a sociedade", escreve Dorothée Brill em O Choque e o Sem Sentido em Dada e Fluxus."

No entanto, alguns “artistas” continuam a lutar contra o capitalismo pela arte, mas a viverem num luxo reservado a poucos, numa absoluta contradição. O que aconteceu à chamada “street art” é que deixou a rua para se render a galerias.

Aqueles que acreditam na ideia de "arte por si só", sem a hipocrisia, podem dizer que a arte tem que ser como uma força não-quantificável, necessitando de se manter fora de normas sociais ou ideológicas ou correrá o risco de se tornar uma outra coisa.

Alguns especialistas, como Sharp, argumentam que é um terreno escorregadio quando a arte começa a se inclinar na direção do ativismo, porque o objetivo simplesmente não é esse - embora o curador também diga que é impossível que a arte seja apolítica.

Nenhuma conclusão deveria ser tirada sobre arte, no presente ou no futuro, porque é uma força contra o universalismo, que deve ser interrompido pelos artistas, como se dissessem ao mundo "acordem!".

Daqui a duas décadas, fará 200 anos desde que Paul Delaroche exclamou "a pintura está morta", e há argumentos razoáveis a favor da ideia de que esse meio perdeu relevância como uma ferramenta de vanguarda. A ideia original de Delaroche foi repetida e reciclada infinitamente, enquanto novos meios ganharam espaço de destaque, mas a pintura não deverá desaparecer.

As vendas de pinturas ainda são a maior força das casas de leilão, feiras de arte e galerias, dominando todas as vendas com maior valor. Pinturas modernas produzidas na primeira metade do século XX continuam a manterem-se firmes como os trabalhos artísticos mais desejáveis e caros do mercado.

Nove entre dez das pinturas mais caras vendidas até hoje foram produzidas entre 1892 e 1955, a única exceção sendo um Leonardo da Vinci descoberto recentemente, datado entre 1490 e 1519, que foi comprado num leilão por extraordinários 450,30 milhões de dólares americanos, o que fez dele o trabalho artístico mais caro já vendido.

Em 2017, uma pintura de Jean-Michel Basquiat, Untitled (1984), estabeleceu um novo recorde como o trabalho artístico contemporâneo mais caro, vendido num leilão por US$ 110,40 milhões. No ano passado, o mercado para África e diáspora africana também estabeleceu novos recordes, com Kerry James Marshall alcançando impressionantes 21,10 milhões de dólares americanos pela sua pintura Past Times (1997), uma marca inédita para um artista afro-americano vivo.

Maite Borjabad, curadora de arquitetura e design Instituto de Arte de Chicago, diz que nós deveríamos estar "prontos para coisas que cada um não pode antecipar acontecerem". Por outras palavras, nós não podemos esperar prever um futuro, mas podemos estar preparados para muitos futuros.

Um museu não é apenas um lugar para coisas existirem, mas uma plataforma para outras vozes serem ouvidas. De acordo, então, com Borjabad, o curador é um mediador. Por meio de encomendas, por exemplo, o museu não é apenas um lugar para exibir arte, mas também um "incubador de ideias" por produzir novos trabalhos. "Eu acho que o futuro é múltiplo e plural, não é um futuro único", diz.

"Instituições culturais e coleções são altamente políticas e perpetuaram e consolidaram um entendimento bastante dogmático da história", afirma. "É por isso que coleções como a do Instituto de Arte são o material perfeito para nos ajudar a reescrever histórias, no plural, em vez de apenas uma história."

No ano de 2040, a arte poderá não parecer arte, mas será parecida com todo o resto, refletindo espíritos de época tão multiculturais e diversos quanto os próprios artistas.

Haverá artistas-ativistas liderando alguma convulsão política; haverá experimentadores formais explorando novos meios e espaços (até mesmo no espaço sideral), e haverá mercados fortes onde menos se esperava.

AF