O passarinho preso

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Na gaiola empoleirado,

um mimoso passarinho

trinava brandos queixumes

com saudades do seu ninho.

 

«Nasci para ser escravo

(carpia o cantor plumoso),

não há ninguém neste mundo,

que seja tão desditoso.

 

Que é do tempo, que eu passava,

ora descantando amores,

ora brincando nos ares,

ora pousando entre flores?

 

Mal haja a minha imprudência,

mal haja o visco traidor;

um raio, um raio te abrase,

fraudulento caçador!

 

Em que pequei? Porventura

fiz-te à seara algum mal?

Encetei, mordi teus frutos,

como o daninho pardal?

 

Agrestes, incultas plantas

produziam o meu sustento

inútil aos que se prezam

do alto dom do entendimento...

 

 Do entendimento! Ah malignos!

vós, possuindo a razão,

tendes de vícios sem conto

recheado o coração.

 

Ah! Se a vossa liberdade

zelosamente guardais,

como sois usurpadores

da liberdade dos mais?

 

O que em vós é um tesouro

nos outros perde o valor?

destrói- se o jus do oprimido

pela força do opressor

 

Não tem por base a justiça

funda-se em nossa fraqueza

a lei, que a vós nos submete,

tiranos da natureza

 

Em ofensa das deidades

em nosso dano, abusais

da primazia que tendes

entre os outros animais.

 

Mas, ah triste! Ah malfadado!

Para que me queixo em vão?

Que espero, se contra a força

de nada serve a razão?

 

Aqui parou de cansado

o volátil carpidor;

eis que vê chegar da caça

o seu bárbaro senhor.

 

Trazia encostado ao ombro

o arcabuz fatal, e horrendo,

e alguns pássaros no cinto,

uns mortos, outros morrendo.

 

Das penetrantes feridas

ainda o sangue pingava,

e do cruento verdugo

as curtas vestes manchava.

 

O preso vendo a tragédia,

coitadinho, estremeceu,

e de susto, e de piedade

quase os sentidos perdeu.

 

Mas apenas do soçobro

repentino a si tornou,

com os olhos nos seus finados

estas palavras soltou:

 

«Entendi que dos viventes

eu era o mais infeliz:

que outros têm pior destino

aquele exemplo me diz.

 

Da minha sorte já agora

queixas não torno a fazer:

antes gaiola que um tiro,

antes penar que morrer»

Manuel Maria Barbosa du Bocage

(Imagem retirada da net)