Pequenos nadas

COISASPEQUENAS1

 

Aqui pela Gândara, as galinhas sempre prantaram os ovos. Excepcionalmente dizia-se que os punham, quando destinados a dar de presente. Porém, esta terminologia do pôr e do prantar assumia, muitas vezes, com toda a naturalidade, uma forma popular e brejeira que nos remete para o vernáculo, fosse qual fosse o destino que a eles se dava. – Eh, ti Rosa, tem ovos, perguntava da rua a Marianita, que era por ali a ajuntadeira, com o açeifate no suporte da bicicleta. - Elas agora andam com o cu tapado, minha menina. É um de vez em quando, e vá! Volta para a semana que, se os tiver, guardo-tos! – Eh, ti Céu, tem por’í uns ovitos, continuava a bater aos portões. - Não chegam à meia dúzia, respondia aquela, sempre com o ámen na boca! - Estou à espera que elas ponham mais algum, para levar de presente ao senhor Vigário, que anda com uma gasganeira dos diabos e bem precisa dumas gemadas para, nestas manhãs frias, cantar as Ladainhas. Hoje por cá, amanhã por acolá, a Marianita calcorreava os caminhos e carreiros em redor, pagando logo ali, a pronto, pois o dinheirinho dos ovos fazia parte da economia doméstica das famílias mais pobres. A não ser assim, a nossa gente, que todos os dias tinha de ir à loja, em busca do carbureto, do petróleo, do sabão e do decilitro de azeite, ia ficando a dever.

Também por aqui, quando as pessoas tinham galinhas chocas e pretendiam tirar pintos, mas os ovos não eram galados, era hábito recorrer à vizinhança para os trocar, questionando previamente se o galo da casa era de confiança. Nestas coisas, como em tantas outras de semelhante teor, logo é feita a radiografia do engaleador, onde a plumagem, o canto, o porte e o aprumo de macho deve estar de acordo com o esperado: nada de ovos por galar, ou seja, nada de ovos que saiam chocos! Nestas trocas, que assentam em critérios de boa vizinhança, não há necessidade de vender gato por lebre, e se o pretendido engaleador já não corresponde ao desejado, é frequente ouvir estes desabafos: - Ó Maria, eu gostava que ficasses com a raça do meu galo mas o cabrão, ou porque está muito pesado ou porque anda fartadiço, salta para riba das galinhas, derreia-as e cai para o lado, a maior parte das vezes sem fazer a obrigação! Também pode ser da idade, a gente bem sabe como são as coisas!

Se fosse a ti, ia ali à tia Genarosa, contava-lhe o sucedido e perguntava-lhe se o dela não será mais certeiro que o meu! Entretanto, quero recomendar-te que os ovos devem ser em número ímpar, que não esqueças de colocar um ferro por debaixo do ninho, por causa das trovoadas e, com devoção, dizer: Em louvor de Santantoninho que sejam todas frangas e um só pitinho. É este que lhe irás destinar quando já for galo, sem esqueceres que os santos esperam mas não perdoam!


António Castelo Branco