Por um tostão

PONTE MODESTO1

 

Há setenta anos, por um tostão, atravessava-se a ponte pedonal sobre o Mondego, a chamada ponte do Modesto, que na margem esquerda saía do Almegue e na margem direita ia ter às imediações do chamado cais da estação.

Quem tal nos conta é o Zé Ralha, proprietário da tradicional taberna que tem o seu nome, à entrada da rua Direita, que continua a manter traços de grande originalidade, onde nem sequer falta o ramo de loureiro à porta, nem o ambiente e o espírito que entrosava nesses santuários de convívio, de que falava o nosso saudoso Paulino Mota Tavares. Recordou o homem da taberna que começou a passar por esta ponte quando tinha cinco anos e as pessoas, quando iam para a cidade ou de lá vinham, pagavam um tostão de portagem aos irmãos Medina, os engenheiros e autores do empreendimento que era quem, na altura, vendia a areia do rio! Quanto à visível fragilidade daquela estrutura, o nosso interlocutor refere que nunca houve problemas, pois tratava-se de uma “ponte de verão” e, se porventura alguém dela caísse não morria, pois as lavadeiras estavam por perto, a água era pouca e depressa se salvava. Aliás, é visível na foto apenas o corrimão de um lado e todo a assentamento do tabuado sobre débeis pilares. Dizia ele que aquilo bastava, pois logo que viesse uma cheia ia tudo rio abaixo, e pró ano fazia-se outra! E volto à emblemática taberna do Zé Ralha que tanto me fascina! As obras de requalificação da Baixa, que há anos decorrem, têm sido madrastas para este comerciante, que se vê sem o chão empedrado à frente do estabelecimento e com uma estrutura em ferro por de cima da rua. Algo que deveria merecer o empenho do município, tendo sobretudo em atenção que se trata de um espaço que merece ser preservado, ou não se falasse entusiasticamente da rota das tabernas! Felizmente são muitos os que teimam em a querer manter viva, e Deus os conserve! Assíduas são as minhas visitas até lá, para presenciar os meros jogos de damas e dominó, quantas vezes na rua, e contemplar no seu interior o espólio documental que lá se encontra, franqueado a quem o quiser conhecer e interpretar.

Tenha-se em atenção que ele foi recolhido por este homem que por aqui começou a trabalhar desde menino, aqui criou e educou os quatro filhos e aqui se mantém, aos 75 anos, de porta aberta. Ali, qualquer um pode entrar, coma e beba, ou não, uma sardinha albardada ou um copo de vinho, ficando com a certeza, isso sim, de que se irá cruzar com múltiplas representações e momentos da nossa Coimbra de ontem. E mais, pode até fotografar o que muito bem lhe apetecer e questionar o anfitrião, que sabe tantas estórias! E deixo a pergunta: quem não terá curiosidade em saber o que vai encontrar naquelas paredes cobertas por 137 fotografias e reproduções e por um número indescritível de cartazes, programas, recortes, eu sei lá? Foi dessas paredes que tirei a imagem que retracta esta ponte pedonal de então, e delas espero vir a tirar muitas outras, ousando do mesmo modo dar-lhes voz!


António Castelo Branco