Portugalidade gandaresa

PORTUGA GANDA1

 

Reporto-me ao artigo do Público de 2 de Dezembro de 2021, subordinado ao tema Amo a Portugalidade, do Embaixador Jubilado, Fernando d’Oliveira Neves. Tal aconteceu na sequência da intervenção do também embaixador de Cabo Verde, Onésimo da Silveira, aquando da sua despedida de Portugal, ao dizer que amava a Portugalidade. Estas palavras tocaram particularmente o articulista, que representava o governo português. Também aquela leitura me despertou para o facto de eu poder evocar, do mesmo modo, a minha “portugalidade gandaresa”, assim desta maneira:
Nos anos oitenta, Narciso Oliveira, após vinte anos na pesca do bacalhau, mudou o rumo da sua vida tornando-se tripulante de navios-cruzeiro! Entre muitas estórias que me contou, aquela que melhor cabe neste contexto, reporta-se a uma paragem na Austrália quando, visitando a cidade de Melbourne, onde estavam atracados, foi interpelado por um indivíduo que logo lhe perguntou se era português e de onde, ao qual ele respondeu ser de Cantanhede, perto de Coimbra. - De Cantanhede sou eu e não te conheço de lá, retorquiu o outro! E Narciso referiu então ser da Tocha, o que não causou grande espanto ao seu interlocutor, que logo acrescentou: - És da Tocha, sim senhor, e o teu pai é o dono do Escondidinho, que fica no largo, já a caminho da Praia, onde se come um bacalhau divino e se bebe um vinho tinto de estalo! E tu és, sem tirar nem pôr, a cara chapada do teu pai. E cada um lá seguiu o seu caminho interiorizando aquele dizer de que o mundo é pequeno!
Los Angeles, ano de 2006. Decorria ali um colóquio promovido pela Sociedade Luso-Americana de alunos pós-graduados, onde interveio, como orador, um investigador natural de Covões, Cantanhede, que havia feito a sua formação académica em Harvard. Após o jantar, que encerrou com a actuação de um quarteto de sopro, abeirou-se do palestrante uma executante de clarinete, perguntando-lhe se não tinha tocado na Filarmónica de Covões. Surpreendido, aquele logo lhe respondeu que sim, e que ali tinha tocado saxofone alto mais de dez anos, ao que ela retorquiu que também havia pertencido à Filarmónica da Pocariça. E recordou-lhe as vezes que se cruzaram e tocaram lado a lado! Segundo aquele veio a apurar, a referida jovem fazia então carreira nos Estados Unidos, onde trabalhava em bandas sonoras para filmes, alguns de Hollywood!
E finalizo com este episódio que testemunhei aquando da minha ida ao Brasil, na altura coordenador cultural do Inatel, por ocasião de umas comemorações do 10 de Junho. Fiz questão de incidir a minha visita a S. Paulo, sobretudo para ter oportunidade de abraçar os muitos amigos da minha terra. De todos os convívios que me proporcionaram, há um que exalta a “portugalidade” que aqui evoco. O almoço daquele domingo era na Xácara Termas dos Covões, na cidade Ferraz de Vasconcelos, Estado de S. Paulo. Esperava-me um enlevo: sentada num pequeno banco, ao portão, uma mulher toda de preto, com o chapéu de gandaresa sem fitas nem pena, com o lenço amarrado ao rosto e envolta num xaile com cadilhos, passava as contas do terço que, vim a saber, todos os dias rezava por alma do seu homem, que partira, tinha ela vinte e oito anos, deixando--a com dois filhos nos braços. Era a tia Rosa Lota. Tinha ido para o Brasil com a família em 1960, e ali acabaria por morrer 55 anos depois. Os beijos e os abraços daquela anciã, que nunca tirou o luto pesado nem sequer dentro de casa, e nem mesmo andou de mangas arregaçadas desde que o seu Manuel falecera, fizeram-me sentir que eu tinha reencontrado, naquela mulher, a minha avó da Gândara!
António Castelo Branco