Ternura
Sentei-me no banco do jardim
É a primeira vez neste palco!...
Outrora, eu era a criança
Com aquele vestido carmim
Cabelo preso em longa trança
Alparcas nos pés, quase ao léu,
Lá ia eu, terra plana ou socalco
Correndo, voando até ao céu.
Pus no rosto o mesmo sorriso,
Que trago gravado na memória
Daquela senhora tão velhinha
Cabelo grisalho, muito liso,
A destoar na pele enrugada
(Mas, na época desta história
Eu era, apenas, a criancinha)
Que lhe punha flores na abada
Hoje já sou a cara engelhada
De sorriso impresso em mim
Sentada neste banco do jardim
Sorriso que não serve de nada
Não vejo crianças a brincar
Nem ao longe nem perto de mim
Ninguém colhe flores assim
Como eu fazia fora desta cena
Fora deste banco do jardim
O que me dá tanta, tanta pena!
Não, não vislumbro qualquer criança
A apanhar flores à socapa
Temendo o guarda que avança
Enquanto as colhe e escapa
Como eu já fizera outrora!
Ali, no tal banco do jardim…
Em que me dispunha ir embora
Para não ter de chorar por mim
Por não obter uma flor sequer
Nem mesmo um ramo de jasmim
Ou um simples pé de malmequer
Cerrei os olhos mais uma vez
Vi chegar num sorriso sem fim
Braçados de Maios floridos
Lírios roxos, rosas albardeiras
Ramos de jarros e alecrim
Que tinham sido colhidos
Tantas e tantas vezes para mim
Talvez, não hoje, noutra altura
Num outro ano, num outro dia
Por crianças cheias de ternura
Que me pegaram a sua magia
Abri os meus olhos e sorri
Guardara na mão um malmequer
Que deixo no banco para ti
Para teres num dia qualquer
Georgina Ferro