TRANÇAS
Tenho uma saudade antiga
Bem mais velha do que a tua partida.
Podia até ser minha amiga,
Se não me cuspisse fel na ferida.
É tão velha esta saudade
Que tem na dor mais anos do que idade
É que a minha saudade começou
Quando tu ainda choravas a tua saudade do avô
E eu senti, sem conhecer,
saudades da avó que foste, antes de ele te morrer.
Depois, a minha saudade cresceu
Para um lugar que já era só meu.
E onde tu foste perdendo
o nome das histórias que foste fazendo
E te esqueceste que eu também era tua
Nas vielas doentes,.cansadas, dementes da tua Lua
E a minha saudade antiga,
a tal que podia ter sido minha amiga,
Em vez de vir em meu socorro
E lamber-me a ferida como um cachorro,
Espetou-me uma faca nas costas
E, das feridas a sarar, arrancou as crostas.
E hoje, ontem, sempre que eu penso em ti,
Dói-me uma dor nova que parece que nunca senti
E em vão, tento sempre engolir
O monstro que cá dentro me tenta ruir.
Hoje, fui lá, aquele lugar duvidoso.
E sentei-me no granito do teu repouso.
Voltei a engolir por dentro o monstro
Com um ódio que eu nunca mostro.
Abafei-lhe a tempo o grito,
Escondi-lhe litros de sangue infinito,
Queimei-lhe o corpo que tem tão maldito
E soltei o meu cabelo preso, aflito.
Depois, sonhei a sorrir que me voltavas a fazer tranças
Lá, no lugar onde eles me juram que tu descansas.
- Sandra Viegas Leal
Em Esmeralda Maria Botto Antas