TUDO TEM O SEU TEMPO

CASA1

 

Por muito que nos doa, é de facto angustiante o inevitável desaparecimento de tantas construções que dantes povoaram a Gândara, muitas delas esperando apenas o dia em que tal venha a acontecer. O fatídico consolo de que tudo tem o seu tempo é o que mais se ouve, quase sempre trazido por alguém que fala de memórias!

E foram memórias que me chegaram quando, na manhã do primeiro dia deste ano novo, sem que traçasse itinerários nem rumos, desse por mim frente a mais uma casa centenária em ruínas nas imediações dos Barrins. A carcomida frontaria indicia ter sido caiada de branco e depois sobrepostas outras cores, nomeadamente o azul e o ocre, a par da colocação de rebocos sobre rebocos.

E detive-me a avaliar o fenómeno da erosão que se me apresentava, quer nos ditos rebocos, quer nas próprias cantarias e muito particularmente nos adobes de edificações envolventes, onde são bem visíveis as marcas do tempo, tal como a imagem testemunha.

Foram estas marcas que me trouxeram ao imaginário vislumbres dos baixos-relevos de antigas civilizações que, aos meus olhos, porventura se podiam confundir com a simbologia da escrita Persa. Os próprios adobes não afagados que ali se veem são de areia amarela e barrenta, trazida de fora e amassada com cal, se bem que pouca, conforme se constata. Não obstante, nas mesmas paredes, estão igualmente aplicados adobes de terra preta, no fundo lama enformada e seca ao sol, proveniente de pântanos e alagadiços por ali existentes, material que foi utilizado desde os primórdios do povoamento da Gândara, devido à sua fácil acessibilidade.

Não só a porta da rua mas também as janelas e mesmo o pequeno janelo da cozinha estão emolduradas com pedra de Ançã, enquanto as paredes principais, até certa altura, são igualmente em pedra. Apenas a partir das empenas se utilizou os adobes de areia e de terra. Tal atesta que os proprietários eram pessoas com alguns haveres, o que se confirma pelo facto de, à época, possuírem uma mercearia e uma funerária.

A casa está toda ela esventrada, mas ainda assim deu para anotar que as divisórias interiores eram em tabique e que, na cozinha, se mantém o borralho com a verga da chaminé e o pião em madeira.

No interior, frente à porta da sala, está um nicho, poiso de algum santo devoto e, ao lado, uma divisória com uma escada para o sobrado. Do lado de fora, são visíveis fortes esticadores em ferro, nos cantos do edifício, que ligam a parte da frente com a de trás, o que significa que a construção em determinada altura se deu e foi preciso travá-la.

No aido, nem sequer faltaram os currais e os telheiros, também estes irremediavelmente em ruínas. Curiosamente, junto ao que foi o patim, mantém-se uma figueira ainda viva, aquela árvore que sempre existiu numa casa gandaresa. É que ela dava figos, várias camadas de figos, que serviam de conduto à broa no tempo da fome!


António Castelo Branco