Vacas de meias

VACA A MEIAS1

 

A designação vacas de meias foi um acordo muito comum aqui pela Gândara, ainda antes dos anos trinta do século passado — diz-se que desde o tempo de Salazar! Esse acordo era estabelecido entre os mais pobres da terra, que não tinham dinheiro para adquirir a vaca de que careciam para trabalhar, e os que, tendo meios para o fazer, se disponibilizavam a comprá-la e a entregá-la aos que a alimentassem e tratassem, podendo estes, a partir daí usufruir dela, mesmo em trabalhos para fora. Maioritariamente este contrato assentava na aquisição das chamadas vacas amarelas ou marinhoas, tão desejadas por quem delas precisava para cultivar não as suas terras, porque geralmente não as possuía, mas as que traziam de renda. De grande força, elas puxavam indistintamente ao engenho, à carroça, à charrua, ao arado, à grade e mesmo ao carro de toiço, se aparelhadas com outras. Praticamente todos os anos davam uma cria, que depois era vendida, sendo o dinheiro repartido pelos dois homens envolvidos no negócio. Do mesmo modo, ao venderem a vaca, logo o investidor acabava por ser ressarcido do que dera por ela, e o lucro, se o houvesse, dividido entre eles. Porém, se desse prejuízo, este era assumido na mesma proporção, acontecendo que o tratador, porque não tinha com que pagar, só liquidava a dívida com a venda de uma próxima cria, após terem comprado outra vaca.
Outros contratempos podiam ter a ver com o “prigar”, (abortar) das vacas, quando em gestação, ou quando partiam algum corno. Nestes casos, e porque estes animais estavam sempre no role – associação mutualista local para gado —, era feita a avaliação dos danos pelos louvados e todos pagavam em quinhões, consoante os animais declarados. Por exemplo, quem possuísse um bezerro acabado de desmamar pagava um quarto de quinhão, quem tivesse um bezerro ensinadoiro, pagava um quinhão, quem tivesse uma vaca leiteira pagava um quinhão e meio, e assim sucessivamente. Para além destas vacas de trabalho, destinadas essencialmente às terras mais ásperas de arar, havia também as vacas turinas, ou de leite, que igualmente trabalhavam as terras, sobretudo de areia, não a fazerem grandes esforços porque a sua compleição física não era para isso. Mas sempre puxavam as carroças, tiravam água de roda dos engenhos e, paralelamente a isso davam leite!... A opção por estas, em vez das marinhoas, prendia-se essencialmente com o facto de as pessoas não precisarem de um gado tão robusto, e elas darem, como as outras, uma cria por ano e leite diariamente. Este, tirado manualmente e levado aos postos de recepção espalhados pelas aldeias, tinha a vantagem de ser pago quinzenalmente, o que se traduzia numa mais-valia para quem não via outro dinheiro. Também estas turinas entravam no acordo das vacas de meias, mas aqui, acrescido com um terço do leite a pertencer a quem a tivesse comprado! A grande reviravolta de toda esta estrutura viria a acontecer a partir da emigração, sobretudo para França a partir dos anos sessenta, quando as pessoas conseguiram arranjar dinheiro para comprar os seus próprios animais, oficialmente importados da Holanda, da Irlanda e de Inglaterra, porquanto raças especificamente seleccionadas para a produção leiteira. Era o ouro branco que aí vinha e que agora mitigava aquela pobreza!

António Castelo Branco