PODEMOS VIVER SEM TRABALHAR?

PODEMOS VIVER SEM TRABALHAR1

 

O Professor Agostinho da Silva, filólogo, filósofo e pensador português, considerava que «o homem não nasce para trabalhar, nasce para criar, para ser o tal poeta à solta». Nos anos oitenta, o Professor português não foi levado muito a sério em Portugal, mas, hoje, este assunto está a ser levado a sério por ser levantado por um inglês, Daniel Susskind (2020) pelo seu livro «Um Mundo sem Trabalho Como responder ao avanço da tecnologia».

Este livro fala da tecnologia que vai mesmo mudar o mundo laboral e haverá cada vez menos emprego remunerado. Mas isso, segundo Susskind, não terá de ser necessariamente mau se nos trouxer uma vida livre da obrigação de trabalhar para receber um ordenado ao fim do mês. Permitindo mais qualidade de vida e verdadeira liberdade pessoal - o tal nascer “para criar, para ser o tal poeta à solta” de que falava Agostinho da Silva.

Embora para muitos a possibilidade desta visão utópica, da aproximação do “fim do trabalho”, possa parecer a verdadeira materialização do supremo ideal da felicidade. Sobretudo para aqueles que, quando se lhes pergunta o que fariam se ganhassem o Euromilhões, respondem que “deixavam imediatamente de trabalhar” por considerarem que o seu trabalha não consegue preencher os seus interesses. Por outro lado a questão pode não ser nem tão simples nem tão linear como parece, sobretudo pelas implicações que tal situação pode embater contra um sistema de hierarquia pesadamente vertical.

Na verdade, com a notável evolução que as sociedades ditas “mais avançadas” têm tido relativamente às formas de organização e às próprias conceções sobre o que é essa realidade complexa a que chamamos “trabalho”, o que é facto é que há hoje um cada vez maior número de pessoas que já não concebem o trabalho como “uma coisa má” ou como simplesmente algo que somos obrigados a fazer porque temos de “ganhar a vida”, mas como uma verdadeira “forma de vida”, como algo de fundamental para que a pessoa se sinta útil e relevante na sociedade em que se insere e como um alicerce indispensável para a consolidação da sua identidade como cidadão. Porém, ainda que com tendência para aumentar, a verdade é que o número, quando comparado com mais de metade da população o número dos que gostam do seu trabalho ainda é muito reduzido.

O que fazer, então, em contextos onde os avanços tecnológicos irão, sem dúvida, contribuir poderosamente para libertar os seres humanos das tarefas mais pesadas e menos motivadoras, inaugurando, em larga escala, uma era de prosperidade económica e social nunca conseguida em qualquer época histórica anterior, mas onde também essa mesma prosperidade irá tendencialmente conduzir a uma redução significativa dos espaços e dos tempos tradicionalmente gastos no trabalho, libertando os seres humanos para outras atividades habitualmente consideradas como de “tempos livres” ou de “lazer”?

Como enfrentar esse “admirável mundo novo” em que “o problema económico que assombrou os nossos antepassados, o de fazer um bolo tão grande que pudesse sustentar toda a gente, se irá desvanecer“, fazendo, todavia, emergir “o problema do sentido, de perceber como usar essa prosperidade não só para viver com menos trabalho, mas também para viver bem“. (op.cit.)

Nesta linha, as reflexões sobre o “Futuro do Trabalho”, que se focalizam sobretudo nos processos e nas políticas a seguir para fazer face às implicações dos avanços tecnológicos nos empregos, nos postos de trabalho e nos novos modos de trabalhar, deverão ser complementadas, e até de modo indissociável, de um outro tipo de reflexão sobre o que fazer nos novos modos de “não trabalhar”, particularmente nos novos significados e propósitos que as pessoas deverão assumir para viver em ambientes onde o “não trabalho” passará a constituir um significativo novo “modo de produção” nas comunidades humanas do futuro.

Ou seja, para além do “Futuro do Trabalho”, é essencial preocuparmo-nos também com o “Futuro do Ócio” e é aqui que está o espaço de pensarmos as melhores soluções para as questões ambientais, as questões do envelhecimento da população e outros problemas transversais ao mundo.

Algumas pessoas ativas já faz atualmente essa confrontação de forma saudável e experimentando sentimentos de felicidade, particularmente aqueles que já conseguiram alcançar um nível elevado de “Work/Life integration” e vivem uma vida em que os eventuais projetos profissionais são integrados enquanto parte importante de um projeto mais amplo de vida.

O problema maior é que, para a maioria, o trabalho, em vez de ser uma parte importante do seu projeto de vida, acabou por açambarcar toda a vida e para outros ainda é uma pena a cumprir para sobreviver.

Embora ainda seja cedo para abordar de forma categórica o rombo que a pandemia nos deixou, há algumas transformações que parecem estar ganhando forma. Elas têm a ver com o trabalho, com a reinvenção da maneira como nos organizamos e com uma constatação feita por milhões de pessoas: que outra vida profissional —mais generosa com nossa saúde física e mental— é possível.

Fazendo, hoje, acreditarmos que estamos mais perto de aproveitar o trabalho das pessoas como algo de facto fundamental para a grande comunidade e não apenas como meio de sobrevivência, seja pelo salário para pagar as despesas, seja pela necessidade de dar um sentido a uma existência nada compreendida - como uma fuga aos problemas de conviver com outros.

A pandemia veio trazer esse afastamento para que uma parte da população conseguisse entender que havia “vida para além do trabalho”.

De qualquer forma, Portugal deveria pensar seriamente neste assunto dado que temos uma população a envelhecer e não conseguimos competir com grande força no mercado internacional. A solução da migração, já se percebeu que se resolve, em parte e mal, a natalidade não consegue resolver definitivamente a questão de produtividade. A situação de exploração laboral acaba por ser desmascarada e aumenta os problemas sociais portugueses - demonstrando a falta de solução.

O desenvolvimento da ciência e da tecnologia são mesmo a base para um crescimento português.

FG