TABU DO ESTUPRO

TABU DO ESTUPRO1

 

Qualquer pessoa pode ser vítima de violência sexual, independentemente de características pessoais, do género, ou da orientação sexual; independentemente de terem ou não relações com o agressor, ou agressora. Mas será que há um tabu do estupro contra homens por mulheres?

A verdade é que a maior parte da comunicação coloca o género masculino no agressor dado que, segundo últimos estudos, as mulheres jovens ocupam o maior número de vítimas.

«Mais de três quartos da população (75,8%) considera a violência exercida contra as mulheres por parte dos parceiros muito comum. Mais de dois quintos (42,0%) tem semelhante opinião sobre a violência contra os homens exercida pelas parceiras», de acordo com a análise aos dados recolhidos no Inquérito à Segurança no Espaço Público e Privado (ISEPP).

A região do Alentejo é que regista uma proporção mais baixa (37,8%), contra 48,1% na Madeira, 46,9% nos Açores e 46,8% na Área Metropolitana de Lisboa.

A prevalência da violência é mais elevada entre a população mais escolarizada (49,4%), segundo a mesma fonte.

«Considerando somente a violência exercida sobre as mulheres, Portugal pertence ao grupo de países da União Europeia que apresenta, de um modo geral, proporções mais baixas de violência», de acordo com o INE.

Quando falamos de violência sexual contra homens e rapazes é comum que se faça a pergunta se as mulheres são capazes de abusar sexualmente de homens e rapazes, e a resposta é sim. Sabemos que as mulheres abusam sexualmente de meninos e homens, e também de meninas e de outras mulheres. Apesar de pouco falado é real.

De acordo com a associação de apoio à vítima “Quebrar o Silêncio”, os abusos sexuais são cometidos, na sua larga maioria, por homens. Os dados mostram que 84,5% dos abusadores são do sexo masculino, os restantes 14,5% eram mulheres. Houve também casos, diz a associação, de abusos feitos em contexto médico. Isto significa que foram cometidos “por exemplo, em consultas ou exames médicos, nos quais os profissionais usaram o seu estatuto e a sua posição de poder para abusar dos utentes”.

Independentemente das estatísticas e percentagens, o importante é que nenhuma vítima seja excluída, independentemente do sexo de quem abusa.

Em média, 15 homens sobreviventes de violência ou abuso sexual procuraram ajuda na associação Quebrar o Silêncio em cada mês do primeiro semestre de 2023. Ao longo de todo o ano, a associação recebeu 124 pedidos de ajuda de homens ou rapazes sobreviventes. Um aumento destacado pela associação que, em sete anos de vida que agora completa, já ajudou 718 sobreviventes.

A verdadeira questão é que se foi criando a ideia que, quando se fala de violência sexual contra homens, fala-se apenas o que acontece na infância. Pelos diversos estudos começa a aparecer, cada vez mais situações de estupro contra homens adultos que são vítimas de abusos sexuais.

A complexidade está em que muitas vezes, a vítima do sexo masculino e adulto, nem sequer se consegue identificar como abusado sexualmente. Por isso tem vergonha de denunciar a situação, porque têm receio de falar sobre estas questões, porque existe a ideia que o homem não pode ser vítima de violência sexual, de que o homem a sério tem de resolver esses seus problemas.

Neste registo, para denunciar o estupro contra homens adultos, está, também, o movimento #MeTooGarcons (iniciado em França), na rede social do Tik Tok, onde um dos homens teve a coragem de colocar a sua história a publico.

Pierre (nome alterado), 33 anos, explicou que devia ter contado esta história centenas de vezes em dez anos. “Aconteceu comigo uma coisa muito maluca”, iniciava ele quando contava o que lhe tinha acontecido. Muitas das pessoa que o ouviam riam e alguns homens diziam que o invejavam. A história referia-se a uma mulher “completamente maluca” que o forçou a penetrá-la depois de uma felação forçada, quando ele tinha 19 anos.

Na altura, Pierre era então “barmen” em Toulouse, num ambiente onde podemos tomar “shots” durante o serviço com os clientes. Pierre com as suas “tatuagens, cabelos castanhos desgrenhados e anéis de prata em todos os dedos”, acabava por se sentir um pouco como uma estrela de “rock” com grupos de mulheres a desejarem-no e implorem ao segurança para deixá-las entrar no bar para uma última bebida com o “barman”. O jovem era fiel à namorada da época.

Porém uma noite, durante uma festa na casa de uma amiga, uma mulher da sua idade queixa-se de não ter parceiro sexual e Pierre conta que “devo ter enviado sinais errados pois ela elogiou-me e depois beijou-me sem me dar hipótese de escapar ”, contou na rede social. Acabou por não se conseguir livrar do ataque. Mais tarde, naquela mesma noite, ela pegou-o pelo “colarinho e olhou-me nos olhos, e disse: agora vamos f(...). Enquanto ela me empurrou para uma sala separada.” Pierre considerou que estava numa situação “sem pensar bem no que estava a acontecer.” Depois continuou a contar que “ela bloqueia a porta com uma cómoda, baixa as minhas calças e começa a praticar, comigo, sexo oral.”
Continua a sua história: “Ela levanta o vestido, fica de quatro e é mesmo ela que se penetra. Tive uma ereção, embora não quisesse nada. Deve ter durado uns cinco ou dez minutos, não me lembro bem. Eu estava lá sem estar ”, conta Pierre, descrevendo um momento de dissociação que muitas vítimas de agressão sexual evocam.

Esta situação desmonta uma ideia que está a ser propagada de que as vítimas têm um estereótipo. Quando na realidade vítima é apenas ‘vítima’ sem género, credo, preferência sexual, idade, formação ou qualquer outra característica.

AF