AS COISAS NÃO ACABAM ATÉ QUE TENHAM TERMINADO

TOPINHAS3

 

A verdade é que a salada e o meu passado têm muito em comum: não têm lá muito bom aspeto mas são ambas, as coisas, inofensivas.

Na altura do 25 de Abril tinha eu 15 inofensivos aninhos e num salto de tempo galgamos 50 anos. “O tempo passa, o tempo passa”, repete a voz na minha cabeça, já sem cabelo, entre um suspiro e outro. Assim é, o tempo passa, concordo sempre com a voz da minha cabeça para não deixar a conversa sem ritmo e sem rumo.

Ritmo e rumo sempre foram dos nossos principais problemas, enquanto portugueses. Começámos uma revolução, que não era como as dos outros países. Não houve tiros a sério, nem lutas engalfinhadas. Tudo muito institucional. O sistema estava instalado meio a dormir embalado pelo silêncio que se fazia sentir em Portugal e um dia acorda com uma revolução. Como fizeram algum barulho a maioria acordou em alvoroço e sem saber o que significavam as canções revolucionárias tocadas no rádio. Nunca tive a certeza de desejar sair das cascas e por isso nunca senti a revolução como verdadeira. E isso faz alguma diferença, mas é a verdade.

Ritmo e rumo, já disse, era o que nos faltava. Cada português queria ir para um lado com diferentes velocidades, como os presidiários patetas num daqueles filmes de fuga do presídio, atados por algemas e, talvez por isso mesmo, nós portugueses, não fomos para muito longe, mais preocupados em lutarmos uns com os outros do que a definir rumo. Sem ritmo, claro, tentámos arrancar os braços uns dos outros à dentada e assim se deram as várias guerrinhas entre o PCP e o MRPP; entre o PS e o PCP; o ataque selvagem ao primeiro congresso ao CDS que ainda não tinha o PP (Paulo Portas); nem havia o jornal Independente, urbano lisboeta que é o mesmo que dizer cegos no nosso provincianismo de imitar os estrangeiros. Fossem ingleses, russos, cubanos, chineses ou “amaricanos”.

Ritmo e rumo. Os bufos que bufavam que o vizinho era comunista, quando era apenas um pobre pateta que atirava migalhas ao vizinho bufo que vivia por baixo dos eu apartamento, filiaram-se logo no PCP, no PS ou num partido com a chancela dos defensores do paraíso na União Soviética como “anti-fascista”. Depois do 25 de Abril, vieram os caçadores de “bruxas” e perseguiam todos os que usavam óculos escuros e conduzissem carros maiores do que um Mini - eram potenciais pides.

Todos percebíamos de política panfletária e as famílias dividiam-se entre fascistas que não queriam que lhes tirassem o que era seu e progressistas míopes que diziam que todas as críticas à União Soviética eram apenas propaganda americana. Americana, mas dos Estados Unidos da América ou “amaricana”.

Sempre pensei, e ainda continuo a pensar que nos faltava ontem, como hoje, ritmo e rumo. Faço esse comentário, aos meus amigos mas ninguém ri. Estranho, era mesmo uma piada. Onde foi que parámos?

Não, não sei onde foi que parámos, nem porque parámos, nem porque estávamos a tentar ressuscitar o cadáver do que foi a nossa enorme esperança nascida em Abril de 1974. Talvez tenha a ver com o facto de que com a idade a memória afetiva fica meio baça e já não sentimos mais o calor que dá a Liberdade de gritar, nem estamos muito preocupados em lembrar misérias antigas em que, provavelmente, nos habituámos a calar. Tem a ver com a realidade de que é tão difícil de encarar e o silêncio foi-nos impregnado no nosso DNA. De tanto ouvirmos “a minha política é o trabalho” acabámos por acreditar que a miséria que ganhamos é inevitável.

A ditadura ensinou a odiar em silêncio e habituámo-nos a ter um “bode expiatório” para culpar a frustração que nos teima em dar a mão. Agora não sabemos amar o que desejamos para o Futuro. Essa é que é!

É um dos paradigmas dos cinquenta anos: o eterno retorno. Estamos sempre a querer voltar para o passado como algo bom ou tendemos a branquear os tempos da “outra senhora”. Ou como diria o meu avô: "As coisas não acabam até que tenham terminado." A realidade é que ainda nem começaram a sério a promessa que nos fez o 25 de abril de 1974.

António Pinhas