NO DIA INTERNACIONAL DA MULHER

DIA INTERN MULHER1

 

Gostaria de poder agarrar nas memórias, nos tempos e nas imagens de uma época, onde as mulheres, antes de terem conquistado o que hoje são, foram primeiro escravas da terra. Tendo em conta a expressividade deste dia considerei que poderia incluir aqui excertos de um texto que elaborei, testemunhando a vivência de uma família pobre aqui da Gândara na altura da emigração clandestina nos anos sessenta, sendo por demais marcante o papel de duas mulheres, entre as muitas que poderia recordar.


“(…) Augusto não escondia ser de uma família muito pobre, (…). Sem nada omitir, dizia ter nascido numa aldeia desterrada da Gândara chamada Corgos, no fim de uma tarde em que a mãe, a tia Jesuína, que não sabia ler nem escrever, tinha andado a espalhar o estrume pela terra fora para plantar as batatas do cedo. O pai, nessa altura a salto para a França, já lhe tinha deixado o filho na barriga. E falava também na avó, a tia Maria das Lágrimas, que foi quem o aparou, lhe deu o primeiro banho na gamela da broa e lhe fez o umbigo, tendo nele colocado cinza de bunho misturada com azeite, como por ali se fazia para cicatrizar. Contava que o seu progenitor, que só conheceu já andava na escola, fora preso várias vezes até chegar ao destino. E ia mais longe, ao referir ser a pobre mãe quem por cá tinha de arranjar sustento para ambos (…). De lado ficavam as magras economias do pai, desde sempre destinadas a si, para se formar em doutor, como viria a acontecer.”


E cito agora Idalécio Cação, quando numa homenagem à mãe, evoca desta forma a mulher gandaresa: ela roçava o mato e fazia a cama do gado, espremia a teta da vaca para o balde do leite, ela dava tardes para fora ou trocava-as com os vizinhos, comprava fiado na loja até vir o seu homem da malta. Ela mandava os filhos à escola até às primeiras letras; e mal os impunha, prantava-se a cavar um carro de estrume; e agarrava-se à charrua, e picava as vacas para que o trabalho surdisse. E criava o milho amorosamente, e cortava-o mais tarde às paveias e trazia-o às carradas para o arneiro. Mas aqui, já o seu homem estava de regresso e sempre dava uma ajuda.


Neste dia tão emblemático quero deixar aqui este testemunho vivo das mulheres da minha terra.


António Castelo Branco