Editorial 05/04/2024

EDITORIAL 5 04 2024

 

DE QUEM É ABRIL?

A pergunta até pode parecer estranha se não pensarmos na comemoração do quinquagésimo aniversário do 25 de Abril de 1974 que se aproxima. Sendo assim, de quem é Abril?

Eu tinha 9 anos quando se deu o 25 de Abril. Acordei para ir para a escola e a minha mãe disse-me que estava a decorrer uma revolução. Na rádio tocavam músicas de Sérgio Godinho e Zeca Afonso, que estavam a ser interrompidas com alguns comunicados. O ambiente era exaltado. Ninguém sabia explicar bem o que era isso de “revolução”. Fui para a escola, por minha insistência, com a condição de regressar no caso de não haver aulas.

Os meus pais tinham vindo recentemente de Angola e eu sabia o que eram confrontos militares. Na escola não havia aulas e enquanto os adultos estavam a ouvir rádio, tentando entender o que se passava, nós os miúdos mais rebeldes resolvemos fugir a pé para a confusão na cidade de Coimbra.

A ponte de Santa Clara estava cheia de gente. Na portagem havia alguns carros de combate nas ruas e muitos militares. Alguns civis tinham partido montras e os militares tentavam manter a ordem. Uma confusão. As crianças a colocarem cravos nas espingardas só vi nas fotografias dos cartazes.

O 25 de Abril foi feito por militares, mas as pessoas foram-se juntando. A maioria das pessoas não sabia o que era isso da Esquerda ou Direita. Sabiam que tinham que andar calados e sabiam que os tempos das “vacas magras” já cá estava muito antes do 25 de Abril de 1974.

A pobreza, o analfabetismo e o medo de se pedir que os “senhores doutores” pagassem o trabalho que exigiam era prática normal aqui. As fábricas em Coimbra, que hoje tanta gente tem pena do seu desaparecimento, pagavam muito mal e ofereciam “generosamente” doenças a quem nem sequer podia pagar tratamento. Os meus pais eram pequenos comerciantes e tinham uma mercearia que fiava a muitos que trabalhavam nas fábricas de Coimbra, mas quando recebiam não dava para saldar as compras básicas para a sobrevivência. Os filhos eram muitos e o dinheiro que já era pouco, mais reduzido ficava. Nenhuma pessoa do povo se lembrava de ter havido “vacas gordas” durante o reino de terror da PIDE.

O povo, as gentes que trabalhavam para sobreviver (muitas vezes mal), juntaram-se aos militares. O interesse do povo não era político, era para que se fizesse justiça dos que deveriam receber pelo seu árduo trabalho. O que explica, em parte, a revolta de partirem tudo ou roubarem. Não queriam saber se eram de Esquerda ou de Direita. Isso nada dizia a quem era explorado. Tal como mais tarde apercebi-me que essa exploração também estava do outro lado da “cortina de ferro”, ou o “muro de Berlim”, que dividia o mundo entre o Leste e o Ocidente. Mas o 25 de Abril de 1974 começou a ser puxado para a Esquerda mais extremista. A mesma que defendia que do outro lado da “cortina de ferro” estava o paraíso na terra.

A minha geração ouviu e sofreu a propaganda do mundo perfeito do outro lado. Do lado do Socialismo a caminho do Comunismo. A perfeição estava lá e ninguém podia criticar o éden vermelho com risco de ser fascista e de apanhar.

Um dia fiz uma terrível pergunta a um comunista, vestido de camuflado, com a boina vermelha e estrela, que tomava conta de uma biblioteca itinerante numa carrinha Bedford aproveitando para anunciar a “palavra de Marx”. A minha pergunta foi mais ou menos esta: - se os operários, quando tomassem o poder, não passariam a serem iguais aos capitalistas? A resposta veio rápido - uma estalada! Uma estalada por ter posto em causa o “sagrado” marxismo.

Na altura, não percebi bem a estalada e obriguei-me a ler O Capital de Karl Marx. As bibliotecas dos liceus tinham imensos livros comunistas. O liceu D. Duarte parece que foi dos primeiros a ter mais livros de Esquerda. Foi aí que me apercebi o que era a demagogia política. Também entendi que a estalada era a prova dos nove que a exploração não tem ideologia política (de Esquerda ou de Direita), apoiando-se na opressão.

Hoje, o 25 de Abril de 1974 marca o fim da opressão. Não foi a garantia de melhorar a vida do povo. Infelizmente mais de metade da população ganha até 800 euros e continua com dificuldade de sobreviver, quase igual aos velhos tempos salazarentos, mas, hoje, respira-se a liberdade de se falar. Ainda que não nos oiçam. Por isso a luta contra a tirania continua nos dias de hoje seja contra a Esquerda seja contra a Direita. Nada nos pode fazer calar e essa é que é a melhor homenagem ao 25 de Abril de 1974.

Hoje, diferente dos outros editoriais, não vos vou falar do que está publicado no nosso jornal O Ponney por uma questão de cada um descobrir as muitas mensagens que homenageiam a luta pela Liberdade de dizer.

O 25 de Abril também é meu e não sou de Esquerda e cada vez menos me revejo na Direita.

Façam favor de nunca aceitarem nada como adquirido e assim desejo um excelente fim-de-semana.

José Augusto Gomes
Diretor do jornal O Ponney