Quando Viseu era a capital de Portugal e D. Ramiro II o seu Rei

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Pode parecer estranho, mas a História de Portugal poderia ter tido um rumo muito diferente caso D. Ramiro II tivesse conseguido colocar em prática os seus planos: fazer de Viseu a capital do então território português e declarar independência face aos restantes reinos cristãos da Península Ibérica.

D. Ramiro II chegou mesmo a declarar-se “Rex Portucalensis”, o primeiro a ostentar este título muitos anos antes de D. Afonso Henriques.

Fê-lo no ano de 925 e Viseu era o local onde estava instalada a sua corte, ou seja, era a sede do governo e, portanto, a capital do território.

 

Mas afinal, quem era D. Ramiro II?

D. Ramiro II foi o responsável pela coligação das forças de Navarra, Leão e Aragão contra os muçulmanos, tendo derrotado na batalha de Simancas, em 939, os exércitos do califa omíada Abderramão III.

Esta vitória permitiu ao Reino de Leão, pela primeira vez, consolidar a fronteira a sul da linha do vale do Douro.

Nos últimos anos do seu reinado não conseguiu impedir que a marca mais oriental do seu reino (Castela) se erigisse em condado independente, sob a direcção do conde Fernão Gonçalves, neto do rei Garcia I de Leão por via feminina.

Em 950 lançou nova expedição militar contra os mouros, tendo-os derrotado junto a Talavera de la Reina.

 

Ramiro ainda pequeno foi confiado como educando a Diogo Fernandes e a sua esposa, poderosa família detentora de vastos territórios em terras do Douro e mais tarde também no vale do rio Mondego.

Estes territórios foram o centro de um núcleo de repovoamento agrupados em torno da política criada em torno da também ainda criança Bermudo Ordonez.

Quando o seu irmão Afonso IV subiu ao trono, revoltou-se contra ele, e foi o único dos irmãos de Afonso IV que se livrou de ser cegado, devido ao facto de se ter refugiado entre os muçulmanos.

 

Ramiro II reveste-se ainda de particular importância para a história portuguesa – trata-se do primeiro rei a intitular-se (ainda que por breve período de tempo – entre 925, ainda em disputas com o irmão Afonso IV, e 931, um ano após a subida ao trono) de rei da terra portucalense – reconhecimento pleno da existência de uma terra portucalense, que já se vinha firmando desde 868, com a conquista de Vímara Peres e a formação da sua casa condal à frente dos destinos da mesma.

 

A D. Ramiro II atribui-se, embora com algumas dúvidas, a construção da Cava de Viriato, precisamente em Viseu.

A Cava de Viriato é o maior monumento do género na Península, um imenso octógono de 32 hectares sobre o qual já se disse muita coisa – com lusitanos, romanos e muçulmanos à mistura.

As certezas, essas são poucas.

O que só deixa mais lugar para as histórias que cabem na história, contadas por quem sabe.

«Não é difícil colar a imaginação à História», lê-se na placa informativa, junto à estátua de Viriato, diante de um dos taludes daquele que é apontado como um dos maiores mistérios da arqueologia portuguesa.

«Se essa mesma imaginação estiver imbuída de uma intenção clara», continua a inscrição, «então acaba por ser assimilada como verdade histórica».

 

A Cava de Viriato é um monumento enorme.

Tão gigante que é preciso vê-lo do ar para ter noção do seu tamanho.

Cada um dos seus oito taludes, dispostos num octógono perfeito, tem 4 metros de altura e 250 de comprimento.

Não se sabe quem a construiu nem com que propósito e há poucos documentos escritos que se referem a ela.

Em 1640, ganhou o nome de Viriato, herói nacional, expulsor de invasores.

 

Dizia-se que tinha sido acampamento lusitano, mas outras teorias lhe tomaram o lugar: primeiro, que teria sido campo militar romano; depois, muçulmano, para as tropas de Almansor, um exército de 25 mil homens que daqui partiu à conquista de Compostela, e há até uma estrutura semelhante no Iraque, que ajuda a fortalecer essa teoria.

Mas 25 mil homens deixariam lixo, e é isso que o arqueólogo procura: lixo.

Arreios partidos, canecas, pratos.

Não se encontrou um único vestígio palpável que permita dizer que foi um acampamento islâmico

 

Perante as dúvidas, nasceu outra possibilidade, que aponta para o primeiro rex portucalensis, o asturo-leonês Ramiro II, que fez de Viseu sua corte em 925.

Há documentos que referem uma Vila Velha e uma Vila Nova, uma tentativa de trasladar a cidade, entretanto destruída por repetidas invasões, para um sítio novo e mais seguro.

Uma cidade palaciana, planeada de raiz, cuja construção começou, sustenta a teoria, pelo perímetro fortificado.

Porém, em 931, Ramiro II sai para assumir a corte de Leão, após a morte do irmão Afonso IV, e o projecto terá ficado incompleto.

E aí temos: um projecto inacabado.

Ainda assim, monumental.

E um mistério com muitas teorias, mas ainda por desvendar.

 

Se formos da Estrada da Circunvalação até à Rua do Coval, que atravessa a Cava de Viriato, provavelmente nem sequer nos apercebemos de estarmos a cruzar tal sítio.

É uma ruela estreita, com muros de granito e vinhas de ambos os lados, e um bom ponto de partida para ir conhecer o que falta, que é muito.

A verdade é que, hoje, este monumento se encontra, por dentro, urbanizado.

Há estradas, vivendas, quintas, plantações, jardins, estátuas.

No fundo, é um bairro viseense, como tantos outros, mas este com uma homogeneidade geográfica e histórica.

Conhecido é o engendramento das suas linhas de água.

A sua estrutura parece ter sido desenhada com base nisso – as valas que circundam o antigo acampamento estão ligadas a canais de água naturais – o Rio Pavia e a Ribeira de Santiago por outro.

 

Ora, lendo o que foi escrito acima, fica a pergunta: se é romano ou mouro, por que razão lhe entregámos o nome de Viriato?

É uma questão bastante legítima tendo em conta que Viriato, visto como líder das tribos lusitanas, não era romano (pelo contrário, combateu-os) e viveu numa altura muito anterior à chegada dos sarracenos.

 

Viriato foi atribuído a este território por alturas seiscentistas, por desconhecimento ou por lendária associação. O herói lusitano sempre foi acariciado pelo povo viseense, isso é certo.

E vendo um monumento amuralhado de tal dimensão, alguns pensaram tratar-se de uma possível fortificação (um castro) dessas tribos ibéricas, um bastião anti-romano.

 

Nenhuma escavação foi feita que confirmasse tal afirmação.

Mas mais tarde, esta hipótese acabou por encaixar na perfeição na retórica ultra-nacionalista do Estado Novo.

E daí à propaganda de vanglorização da raça portuguesa foi um salto.

A cúpula do regime aqui montou uma estátua a Viriato – o lugar mais célebre de toda a Cava de Viriato -, com uma frase que não engana politicamente:

“Aqui mergulham as raízes desta raça viva e forte, imortal na sua essência”.

Estórias da História

 

Nota; Imagens em:

https://docs.google.com/document/d/1_P6bAlwnm9ZfzABiOJtGdQNXozN--Wwc/edit?usp=sharing&ouid=109769080519440762082&rtpof=true&sd=true