“NÃO HÁ QUEM QUEIRA TRABALHAR!”
A frase «não há quem queira trabalhar» repete-se por todo o nosso país como um “mantra” que não necessita de reflexão. Sobretudo quando estamos em vésperas de eleições e que servem como slogan de alguns partidos.
Há fábricas que necessitam de operários na linha de montagem; há restaurantes e hotéis com falta de pessoal; há empresas de call center que andam desesperadas à procura de quem queira trabalhar e há empresas de limpezas que não encontram trabalhadoras.
Pedro Ferraz da Costa, presidente do Fórum para a Competitividade, afirmou que “qualquer empresa que queira contratar pessoas não consegue”, concluindo, de seguida, que “os portugueses não querem trabalhar”. Não sendo essa a opinião dos países que acolhem os trabalhadores portugueses, mas vamos aos dados em Portugal para que possamos entender é verdade que os portugueses não querem trabalhar.
Quarenta e três vírgula quatro por cento (43,4%)dos trabalhadores por conta de outrem auferem remuneração base (a 30 dias) pouco acima do salário mínimo nacional. Estamos a falar de quase metade da população que trabalha em Portugal num total de 1.745.541 trabalhadores com ordenado igual ou inferior ao ordenado mínimo de acordo com os últimos dados de "Gestão de Remunerações" da Segurança Social.
Também segundo a associação Portuguesa de Contact Centers afirma que o trabalho de “call center” ocupa mais de 80000 empregos diretos e um volume de negócios anual superior a 1000 Milhões de euros. Os diversos “call centre”, geográficamente ocupam o litoral, mas também em zonas interiores como Viseu, Covilhã ou Portalegre - a média de ordenado ganha pouco mais do que o ordenado mínimo.
Na realidade é mais barato contratar em Portugal e por isso o nosso país é cada vez mais um agregador de “call center” de várias marcas internacionais, pois é fácil encontrar falantes de inglês, sem lhes pagar a remuneração justa.
No entanto «A pobreza e as desigualdades em Portugal diminuíram, mas a existência de 1,8 milhões de pessoas a viver com menos de 632 euros por mês e o aumento da pobreza nos idosos são preocupantes em Portugal. » Segundo um estudo coordenado por Carlos Farinha Rodrigues e publicado pela Fundação Manuel dos Santos.
Continua o estudo: « Apesar destes avanços, Portugal mantém-se um dos países da UE com maior incidência de pobreza. A existência de 1,8 milhões de pessoas em situação de pobreza constitui um flagelo social que obstaculiza as possibilidades de desenvolvimento socioeconómico, que enfraquece a nossa vivência democrática e que põe em causa a coesão social. A redução sustentada dos níveis de pobreza é uma exigência para toda a sociedade.» Diz o estudo publicado este ano de 2025.
Quanto à questão laboral, por exemplo, a função dos serviços nos Centros de Saúde começam a proliferar o outsourcings, os recibos verdes, as pessoas trazidas pelas empresas de trabalho temporário, que nem sequer têm acesso a formação e que são colocadas a atender o público com “formação” por imitação.
Segundo dados publicado no site da Secretaria-Geral da Economia «O turismo foi a origem em Portugal de 19,1% da riqueza produzida no ano passado, de acordo com o relatório do World Travel & Tourism Council (WTTC), que aponta Portugal como o 5º país onde é mais forte a contribuição do turismo para o PIB.» Mas o que está a acontecer em termos laborais?
Nos estabelecimentos do turismo (lojas, restaurantes e bares) pouco estabelecimentos respeitam as leis do trabalho. Se o funcionário trabalhar as 8 horas do contrato vai começar a ficar mal-visto e rapidamente roda para entrar outro que dê pelos menos mais 2 horas de trabalho com uma média de ordenado de 750 euros mensal. Segundo dados de 2018 o Turismo empregava 400 mil trabalhadores, sendo metade na área da restauração.
Quantos trabalhadores estão com sistema de recibo verde - ou seja sem contratos de trabalho e em situação de trabalho precário?
Segundo dados de 2021, quase um terço (32,4%) dos trabalhadores portugueses estavam em risco de pobreza e exclusão social, segundo dado divulgados pelo Eurostat. Portugal é, de resto, o país com a segunda taxa mais elevada, sendo apenas destronado pela Roménia (70,8%).
O gabinete de estatísticas europeu revelou que apenas num ano a percentagem de trabalhadores a recibos verdes portugueses estavam em risco de pobreza e exclusão social aumentou dois pontos percentuais, tendo passado de 30,4% para 32,4%. O recibo verde abrange trabalhos na Indústria, Turismo, Vendas, Limpezas e todos os trabalhos que ninguém deseja que os seus filhos o façam pela instabilidade, baixos salários e constante humilhação.
A realidade é que as pessoas que trabalham a recibo verde acabam por mascarar a diminuição do número de desempregados.
Também é contraditório quando a Segurança Social registou o maior excedente orçamental em mais de uma década, atingindo 4.059 milhões de euros, em 2022, uma melhoria de 1.711 milhões face a 2021, tinha avançado o Conselho de Finanças Públicas (CFP) quando há muitas pessoas reformadas que têm que trabalhar para sobreviver.
Vamos ver se as profissões fossem divididas entre físicas e não físicas, os serviços de limpeza estariam, claramente, no primeiro grupo. Tudo isso pressupõe então que as pessoas mais velhas não estejam incluídas, sobretudo as que passaram a idade da reforma. Mas não é essa a realidade: há mulheres com 78 anos, e mais, a trabalharem nas limpezas segundo uma publicação da Fundação Manuel dos Santos com o titulo «As invisíveis: Histórias sobre o trabalho da limpeza» de autoria de Rita Pereira Carvalho.
Também segundo o relatório da Eurostat, cerca de 70% dos jovens desempregados portugueses, entre os 20 e os 34 anos, estão mais predispostos do que qualquer outro jovem da União Europeia a mudar de cidade ou de país para procurar um emprego. Este valor é bastante expressivo comparativamente à média europeia dos 28 países que constituem a união, que é de cerca de 50%. São apresentadas as principais razões para a saída de Portugal a precariedade laboral e os baixos salários.
Há um outro tipo de trabalho que demonstra uma exploração laboral. Para isso devemos acrescentar que o investigador do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, Giovanni Allegretti, que coordena a equipa portuguesa de um projeto europeu de investigação sobre plataformas digitais, encontrou diferentes representações dentro da Uber, que vão de firmas com uma frota de 500 viaturas, a pequenas empresas quase familiares, ou trabalhadores migrantes "à procura de inserção".
Apesar das diferentes motivações dos motoristas e heterogeneidade de narrativas encontradas pelo projeto que abordou os casos da Airbnb e da Uber em Lisboa, os investigadores concluíram que, na maioria dos casos, os motoristas "não estão abrangidos pelas formas de tutela de trabalho de um trabalhador dependente", num setor que "é muito pouco fiscalizado", apesar de a lei Uber, criada para regular o setor, "definir tarefas de monitorização".
Segundo Giovanni Allegretti, em entrevistas a motoristas, também foi referido que, às vezes, "o dia de trabalho ultrapassava as 12 horas", algo que a lei Uber "formalmente impede, mas de forma ambígua", sem definir "bem as responsabilidades e sem fiscalização alguma".
Para o investigador do CES, a lei Uber acabou por criar um sistema de intermediários, que "permanece inserido num contexto que admite a precariedade, que admite a ausência de proteção social".
Questionada pela agência Lusa, fonte oficial da Uber salienta que a empresa garante que tanto operadores como motoristas e veículos na plataforma "cumprem todos os requisitos exigidos por lei", e salienta que desde junho de 2018 a plataforma tem uma ferramenta que garante que nenhum motorista pode conduzir "mais do que dez horas" num dia.
Ainda assim, há muita gente que trabalha a transportar comida, mas são pessoas sem abrigo.
A socióloga Ana Alves da Silva, especializada em relações de trabalho, nota que, com as plataformas, as funções de supervisão e monitorização de uma empresa típica estão a ser substituídas "por uma arquitetura automática, algoritimizada".
Se numa empresa típica há o poder diretivo, regulamentar e disciplinar, também nas plataformas digitais é possível encontrá-los, nota a também investigadora do laboratório Colabor e doutoranda do CES.
"Estas empresas têm o poder de alocar recursos, têm o poder das normas que eu tenho que seguir para prestar o trabalho e ainda determinam o preço do meu trabalho. Eu não tenho qualquer autonomia ou liberdade. É uma situação de falsa independência", vinca.
Sobre o futuro e um possível aumento da expressão destas plataformas digitais, Ana Alves da Silva considera que "tudo depende do nível de atividade política, legislativa e fiscalização".
"Quanto mais liberalizado for o mercado de trabalho e maior o nível de desemprego e situação de privação e precariedade económica maior será o poder destas plataformas no mercado de trabalho", remata.
Para Giovanni Allegretti, as plataformas digitais até poderão aumentar, mas isso não quer dizer que estas não possam ser "utilizadas num contexto de trabalho digno e com direitos".
"Não é que as plataformas criam a precariedade, mas o contexto pré-existente de precariedade foi bem aproveitado, mas também expandido, pelas grandes empresas de plataformas, que através uma inovação tecnológica souberam aproveitar-se de zonas cinzentas da regulação", conclui.
A transição digital foi definida como uma das linhas de ação da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE).
No programa da presidência, aponta-se nomeadamente o desenvolvimento universal de competências digitais com vista à adaptação dos trabalhadores aos novos processos produtivos, a transformação digital das empresas e as plataformas digitais, as áreas do comércio eletrónico, pagamentos e fiscalidade, a promoção da saúde e a prevenção da doença e a educação e a formação ao longo da vida.
FG