Memórias que falam por si

MEMORIAS1

 

A imagem remete-nos para o que eu considero ser a casa gandaresa mais primitiva que porventura terei encontrado. Situada próximo da escola da Taboeira, na freguesia de Cadima, ela apresenta, não obstante a sua rudimentar construção, a tipologia que poderemos enquadrar na tradicional janela, porta, janela. Está ainda de pé, apesar do estado de ruína ser bem visível, perante uma longevidade de mais de duzentos anos. Toda a sua construção é de origem, e certamente única, quanto aos materiais utilizados: adobes exclusivamente de terra, que não de areia e cal, sem qualquer janela de caixilhos e vidraças, mas apenas com as de madeira, do tipo da porta de entrada e do portão. As cantarias também não existem, tendo sido substituídas por padieiras e ombreiras que formam um aro onde se encontram pregadas as dobradiças. O telhado encontra-se suportado por madeiramentos, onde as telhas de canudo, ali ao lado, foram substituídas pelas marselhas. Esta terá sido a forma mais primária de construir, face às dificuldades económicas de quem, há dois séculos, teve de abrigar a família. Na geração seguinte, os que herdaram esta habitação, tiveram de a manter nos mesmos moldes pois as carências mantinham-se. Foi o que aconteceu à Maria Justina e ao Joaquim Domingos, que ali viveram e ali criaram seis filhos, três rapazes e três raparigas, com as mesmas dificuldades. Contrariamente ao seu interior e às restantes paredes e muros nas traseiras, onde os adobes se encontram tal qual foram assentes, os da fachada da casa virada para o caminho foram cobertos por um reboco de areia e cal, em data imprecisa, provavelmente para lhes dar maior durabilidade. Tal não evitou, porém, que o tal revestimento se começasse a desprender e cair, dada a dificuldade de aderência daquela argamassa à terra preta. Isso ocasionou que ficassem de novo a descoberto os adobes nus, muitos deles recobertos agora com umas chapadas de cimento. No decorrer deste levantamento verifiquei que toda a casa foi construída com aquela lama de que muito se fala, enformada e depois seca ao sol, sendo notório que, em espaços que deveriam levar um qualquer suporte de pedra, para a qual não havia dinheiro, ela foi substituída por madeira, à qual o tio Joaquim tinha acesso sem custos, uma vez que era serrador e a sabia trabalhar. No seu interior, consegue ainda ver-se o que resta da cozinha, com o chão de terra batida, e o borralho com o travejamento e o pião caídos, outro tanto acontecendo com as exíguas divisões interiores. Estou em crer que esta casa é um exemplar único na nossa região e, por isso, irá com certeza merecer uma atenção especial com fins didácticos.
E deixo aqui um agradecimento, muito especial ao Joaquim Gonçalves, um homem da etnografia e do folclore, com toda uma vida devotada ao seu Rancho Típico de Cadima, sempre atento e cooperante nestas lides da preservação do nosso património gandarês. Foi pela mão dele que cheguei a esta casa, e tem sido, através de muitas das suas estórias que tenho construído as minhas narrativas em prol da nossa cultura.
António Castelo Branco