O Raposeiro

RAPOSA1

 

O Raposeiro foi uma típica figura da Gândara, que se dizia ter ganho a vida com dois raposos pequenos, metidos dentro de uma pequena jaula colocada no suporte da bicicleta. Com eles correu o país todo, durante anos, fazendo crer às pessoas, por essas aldeias fora, tê-los apanhado naquela encosta — e apontava lá para longe —, depois de lhes ter morto os pais e de ter cavado a toca durante um dia inteiro, para agarrar os filhotes. E pedia que lhe dessem aquilo que tinham na consciência, ao olharem para o trabalho que tivera na defesa das capoeiras de cada um, pois tais diabos todas as noites atacam quando têm criação. E as pessoas, acreditando na estória, com provas à vista e tudo, sempre lhe davam, aqui uns ovos, ali umas batatitas, um punhado de milho, ou uns feijões e, acolá, até um naco de toucinho tirado do sal. E quantas vezes, se era a hora do jantar, também levava o estômago aconchegado com uma tijela de sopa, sem serem esquecidos os pobres bichos, a quem metiam, pelos buracos da jaula, uma côdea de broa. Curiosamente estes nunca atingiram grande porte, ou seja, ao longo dos anos que viveram neste flagelo, nunca se tornaram fisicamente adultos, ficando raquíticos pela fome, o que permitia que o nosso homem contasse a estória sempre da mesma maneira. Acontece que o Raposeiro só regressava a casa depois de muito tempo de ausência, não com os produtos que lhe davam, mas com o dinheiro resultante da venda dos mesmos. E os vizinhos diziam que foi assim que ele ganhou a vida! Com a morte dos animais, o nosso artista mudou de rumo e ei-lo, com grande aparato, virado para a música popular, naquilo a que podemos chamar o homem dos sete instrumentos. Tocava gaita-de-beiços, como por aqui se chamava ao realejo, tendo arranjado todo um equipamento que lhe possibilitava manter suspenso o dito instrumento frente à boca, pois precisava das mãos para tocar o bombo, que por sua vez tinha acoplado uns pratos, uns ferrinhos, uns chocalhos e uma pandeireta. Por de cima de tudo isto tinha um dispositivo que ia ao chão e assentava num tripé ao qual adaptara um megafone para projectar o som. A sua vestimenta consistia num casaco e numas calças, de um lado vermelho e do outro verde, ou seja, as cores da bandeira nacional. Neste preparo e com todo este material percorria Portugal de lés-a-lés, de novo na sua bicicleta, não só onde havia arraiais mas também pelas nossas praias e cidades, chegando mesmo a ser levado à televisão numa altura em que por ali fez uma das suas costumadas actuações. Aquilo de que usufruía com esta actividade era aquilo que voluntariamente lhe deixavam no chapéu que colocava no chão. Refira-se que, não obstante estoutra actividade, ele nunca deixou de ser chamado e conhecido por Raposeiro, uma das muitas alcunhas que, tantas vezes, se sobrepõem aos nomes de baptismo!


António Castelo Branco