OS INVESTIGADORES DA UC PEDEM A PALAVRA
A Comissão de Trabalhadores da Universidade de Coimbra (CTUC) pediu a palavra, fazendo recordar o famoso acontecimento académico em Abril de 1969 “peço a palavra” de Alberto Martins, para expor a precariedade dos investigadores da UC, com graves problemas que são transversais aos investigadores nacionais. Esta precariedade, que grassa entre os investigadores, coloca o desenvolvimento da ciência e da tecnologia portuguesa em risco de empobrecimento.
Ciência que muitas vezes se transforma em tecnologia aplicada. Desde as áreas lúdicas até a áreas na saúde ou na sustentabilidade. Por isso de extrema importância para os grandes desafios mundiais. Porém e apesar das excelentes avaliações da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) para com as unidades de investigação da UC, as condições laborais dos investigadores científicos em Portugal continuam precárias.
Sendo esta a principal razão para este novo “peço a palavra” dada aos investigadores precários. Tendo a forma do manifesto com o ilustrativo título «A insustentável leveza da ciência» feita nesta quarta-feira, dia 7 de Maio de 2025, numa sala da Faculdade de Medicina da UC no velho Polo I. Como participantes estavam: o coordenador geral da CTUC, António Trindade; a investigadora Diana dos Santos Silva; a investigadora Ana Rita Silva; a investigadora Mónica Santos e a investigadora Mara Braga.
António Trindade começou por explicar que a Comissão de Trabalhadores da Universidade de Coimbra (CTUC) é muito recente. Foi criada no ano de 2020, durante o período da pandemia provocado pelo COVID19. Mas só foi oficializada em Outubro de 2021. Com 4 anos de vida, a CTUC, já está empenhada num esforço para que seja reconhecida a carreira de investigador na universidade de Coimbra. Sendo, também, missão para que a UC seja precursora na integração das carreiras para os seus “343 investigadores precários”.
António Trindade lembra que esta luta é antiga, mas que a CTUC, irá passo-a-passo para que a UC seja o exemplo de uma justa e boa prática para com os investigadores científicos que vivem em precariedade. A situação de debilidade laboral dos investigadores assemelha-se a uma “bomba-relógio”(segundo imagem de António Trindade) que anda a levar muitos investigadores, com grande experiência, para o desemprego. Considerando o coordenador da CTUC, António Trindade, que “afeta todas as faculdades com especial preocupação as faculdades de ciências. Dos 390 investigadores científicos na UC, apenas 47 é que têm contrato de trabalho”.
«Claro que este é um problema a nível nacional que vai afetando a ciência e a tecnologia em Portugal» dizia António Trindade. Explicando que “o programa FCT-Tenure teve muito boa intenção, mas não resolve a questão da precariedade dos investigadores, apenas adiando a resolução do problema. Pois o financiamento é feito de forma parcial e por apenas um tempo limitado. Com ou sem renovação, espera-se sempre que a “bomba rebente”. Mas e depois?» pergunta António Trindade. Reforçando a ideia que os contratos «são apenas “bombas-relógios” que podem ser renovados ou rebentam no final dos contratos.»
« A verdade é que o poder político tem que ter uma direção. Tem que ter uma política clara para o desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia» sublinhou António Trindade. Ana Rita Silva acrescentou que «não pode continuar a haver um investimento pontual para um problema permanente».
A investigadora Mara Braga afirmou que «o problema não é só do financiamento. É também um problema de deficiente gestão. Pois cada projeto aprovado pela FCT, formando uma bolsa que suporta grande parte dos investigadores precários, tem, o investigador, de entregar uma parte desse valor para a universidade. São os “overheads” entregues às universidades, vindos da verba para o projeto de investigação científica. Mas também todo o trabalho, que os investigadores produzem nas universidades não remunerado. Esse capital está a ser bem administrado?»
Mónica Santos, concordou com Mara Braga e acrescentou «pelos discursos que oiço, até parece que os investigadores não produzem! Nós, investigadores, temos a responsabilidade de orientar, sobretudo na parte técnica, as teses de mestrado; orientamos alunos e os projetos de investigação são, também, elementos valiosos para chamar mais alunos. Mas de facto parece que algumas universidades não querem fazer essas contas.»
«O investigador com 50 anos já é considerado velho, mas um docente continua a carreira. O que é contraditório e injusto para os investigadores quando uma reitoria fala do “rejuvenescimento dos investigadores”. Quando os investigadores seniores têm um acumular de experiências e uma riqueza adquirida que deve trabalhar em conjunto com os mais jovens investigadores. Perder este conhecimento é um erro crasso na gestão do conhecimento, juntamente com a gestão errática do financiamento.» referiu Mara Braga.
Diana dos Santos Silva lembrou que «o financiamento das universidades não está dividido entre o que deve ir para os investigadores e o que vai para a docência e isso deve ser claro e transparente. Para os investigadores precários vai o mínimo dos mínimos. Isso é público e ofende os direitos laborais mais básicos». Acrescentando que «A onda de conhecimento levantado por projetos de qualidade, que a UC tem, atrai, naturalmente, mais alunos. Também essas contas devem ser feitas.»
«Isto explicadinho a uma criança de 4 anos pode ser resumido em falta de diálogo entre as universidades e o Estado» - resumiu a investigadora Ana Rita.
«Mas não é só isso» - intervindo Mara Braga: «A contratação já foi feita na Faculdade de Medicina. Porque é que a UC não continua a contratar investigadores em outras Faculdades? Fala-se muito da falta de financiamento, mas não se fala da estratégia. Como por exemplo a reitoria discutir estratégias com cada uma das Faculdades e formar uma estratégia para a contratação de investigadores a par com os docentes.»
Mónica Santos contou que «os meus sobrinhos apostaram nas Universidades de Braga ou de Aveiro pela maior publicidade, usando também os projetos científicos mais impactantes, destas universidades. O que vejo, é que quem está fora da UC olha para Coimbra e tem a ideia que está parada no tempo. Quando nós, investigadores, temos projetos com muita qualidade como se vê pela última avaliação da FCT. Eu acho que a publicidade da UC deve andar adormecida.»- desabafou.
Ana Rita acrescentou que «os investigadores têm avaliações mais exigentes do que as avaliações aos docentes. Antigamente havia a figura do monitor e do assistente que iniciava logo a carreira na docência. Mas os investigadores, hoje, não têm essa possibilidade.» «Nós temos avaliações exigentes, mas sem carreiras. O que nos resta é ir de precariedade em precariedade até termos idade para a reforma» transmitiu com mágoa Mónica Santos.
« Já houve Professores que me disseram que “no meu tempo não escrevíamos artigos científicos”. Isto é impensável para um investigador que está numa situação de precariedade. A produção de artigos tem grande peso para continuar a exercer a investigação científica. Nós temos que ter produção de artigos científicos e ainda temos que dar aulas gratuitas. Isso é de uma injustiça absoluta» - testemunhou Diana.
«Sim! Não há valorização da docência dos investigadores. Somos pressionados a dar aulas em nome de uma promessa para um contrato e depois a situação arrasta-se no tempo. Depois temos que ir sobrevivendo com candidaturas.» reforçava Ana Rita.
Mara concordou com Ana Rita e acrescentou: «é verdade! Damos aulas sem remuneração, mas não nos deixam opção porque nos concursos somos penalizadas por não termos dado aulas. Essas aulas que são gratuitas, mas que revertem em financiamento para as universidades, acabam por ser um critério importante na avaliação para os concursos dos contratos temporários. É uma dupla injustiça. Por isso não é só uma questão de financiamento das universidades, mas também uma gestão deficiente das universidades.»
António Trindade acrescentou «e há muitos Professores Catedráticos que, hoje com os critérios exigidos aos investigadores, não conseguiam entrar. Anteriormente, os melhores alunos eram convidados a fazerem o doutoramento e passavam a Professores Auxiliares. Tinham que apresentar um artigo para que tivessem contrato definitivo como Professor na UC. No entanto o ex-Reitor João Gabriel acabou com a contratação de Assistentes no ano de 2010. A carreira de Assistente ainda existe, mas não fazem contratação.
«Imagino que as universidades possam dizer :“não vos vou contratar, nem encontrar solução para este problema, mas vou continuar a receber parte da verba dos vossos projetos e vou continuar a usufruir do vosso trabalho gratuito”, se isto não é injustiça é o quê?» desabafou Mónica Santos.
António Trindade: «eu acredito que os investigadores trazem mais capital para as universidades do que as verbas do próprio Estado».
«Há que mudar a mentalidade e perceber, que nós, investigadores seniores, temos muita juventude acumulada e muitos projetos aprovados, com grandes graus de exigência, o que nos dá um conhecimento que não deve ser desperdiçado para termos uma correta gestão do conhecimento» afirmou Mara Braga.
António Trindade deixou claro: « Para agravar a situação, a maioria das bolsas ou contratos exigem exclusividade, colocando os investigadores num binómio insustentável (precariedade/exclusividade), com impacto pessoal e profissional. Além de fomentar um ambiente propício a situações de abuso moral».
Como está escrito no manifesto « A insustentável leveza da ciência» que responde à questão o que é que a CTUC propõe? Pois propõe «Eliminar os contratos de bolsa, substituindo-os por contratos de trabalho. Redirecionar parte do Orçamento de estado, atualmente canalizado para contratos precários, para o financiamento sustentado. Obrigatoriedade de pagamento de horas de serviço docente a todos os investigadores com contrato a termo.»
Segundo o coordenador da CTUC, António Trindade, “prevejo que este vai ser um caminho longo, mas a CTUC está pronta para defender a carreira dos investigadores científicos e com esperança que a Universidade de Coimbra seja a primeira a dar o passo contra uma injustiça que não deve ser paga por quem faz ciência”.
O manifesto «A insustentável leveza da ciência» irá ser enviado a cada uma das listas partidárias com assento na Assembleia da República - segundo o coordenador da CTUC.
O manifesto pode ser encontrado no link: https://www.uc.pt/ct/em-destaque/manifesto-a-insustentavel-leveza-da-ciencia/
JAG
09-05-2025